terça-feira, 12 de abril de 2011

REALENGO/RJ (Texto retirado do Blog Oficial do Prof. Damásio de Jesus)

A tragédia do Realengo – I


Publicado por Damásio de Jesus      
Estou há dias hesitando sobre como tratar o momentoso e trágico acontecimento do Realengo. O triste é não poder evitar um assunto desagradável, importante e que desperta a atenção geral. Mas, sinceramente, eu preferia não precisar fazê-lo, pois há assuntos que doem, machucam, fazem mal. E esse é um deles. No dia do fato, senti isso em mim, amigos, diretores, professores e funcionários do Complexo Educacional Damásio de Jesus. Estávamos muito tristes. Eu, particularmente, recolhi-me mais cedo. Como passarinho assustado, quis ficar quieto, mas não sozinho. Acompanhou-me a amargura de me qualificar como ser humano.

Tenho a impressão de estar sonhando, um sonho mau, malfazejo, atormentado. Uma quimera que se mostra, na realidade, o pior dos pesadelos. A vontade que tive era de acordar de repente e sentir-me na normalidade de todos os dias, dando-me conta de que tudo foi somente sonho. Na vida, quantas vezes acordei em bicas, desesperado porque, no sonho, tinha voltado a fumar. E, retornando ao real, senti-me feliz por ter sido só um pesadelo. Realengo não é sonho. É uma cruel realidade, que vai acompanhar o espírito da nossa geração até o fim dos nossos dias. Nestas últimas noites, tenho dormido mal e acordado pior. Mas, infelizmente, não se tem o que fazer para apagar a realidade.
Creio que o Prefeito do Rio de Janeiro conseguiu, com uma frase, resumir bem o triste acontecimento: um local que deveria ser de sonhos transformou-se no pior dos pesadelos. Num lugar no qual crianças e adolescentes mal saídos da proteção diária e integral dos pais e apenas entrados na comunidade estudantil contemplavam, com olhos de esperança, um futuro risonho, no qual os primeiros projetos se formulam, onde são dados os passos iniciais da vida social, nesse ambiente irrompe a tragédia, sem aviso, sem apelação.
É um infeliz jovem, mentalmente desequilibrado, que escreve uma mensagem desconexa, misturando traços de aparente paranoia com elementos de uma religiosidade mórbida, mal-entendida e mal-assimilada, e pratica uma chacina lamentável na qual é, também, arrastado, cometendo suicídio, depois de semear o terror e o pânico numa escola e consternar não só uma Cidade que se chama Maravilhosa, como também o Brasil inteiro, que já foi uma terra pacífica e cordial em que nem sequer aconteciam desastres naturais.
Algumas notícias, em parte confirmadas, relatam ter o infeliz jovem sofrido bullying quando estudava naquele colégio, daí lhe advindo um trauma que ocasionou o trágico desfecho. A respeito da lamentável instituição do bullying, sobre a qual já tive ocasião de escrever várias vezes, eu a censuro e abomino. Bullying é o stalking coletivo e às avessas, a maldade em coautoria. O stalking ocorre depois do fim do relacionamento geralmente amoroso; o bullying é a causa do fim do relacionamento. O primeiro é o gênero; o segundo espécie. 
Não acredito que um drama desses possa ter o bullying como única fonte. Na verdade, vários fatores devem ter intercorrido para produzir esse efeito, sendo o bullying apenas um deles, uma concausa que é difícil dizer se maior ou menor, se decisiva ou apenas coadjuvante de um quadro geral de sanidade mental comprometida. Desunião familiar, falta de amigos, isolamento, depressão, crise de valores da sociedade atual, má influência dos sinistros filmes “de ação” que, na televisão, exaltam impunemente a violência, falta de religiosidade e o que nossos avós chamavam “temor de Deus”, tudo, tudo isso são concausas. Só Deus mesmo é que pode avaliar e julgar, com sua sabedoria infinita, as responsabilidades do infeliz jovem e de todos aqueles que, de uma ou de outra forma, concorreram, a sabendas ou sem se darem conta disso, para esse desfecho.
Sei que a tragédia será evocada pelos propagandistas de um ainda maior arrocho no que diz respeito à permissão de civis comprarem e possuírem armas de defesa. Prefiro tratar desse assunto em outro artigo, pois exigiria análise e aprofundamento de natureza muito diversa do que cabe aqui, neste comentário em que devem ser focalizados preferencialmente os aspectos humanos ou humanitários do caso e não os de natureza política, social, legal ou jurídica. Desse aspecto certamente cuidarão cientistas criminais, políticos e sociais, psicólogos e psiquiatras.
Que Deus tenha pena das almas das pobres vítimas, de suas famílias, especialmente de seus pais, de colegas de classe e de colégio, de seus amigos e conhecidos, do povo de Realengo e do Rio de Janeiro, dos brasileiros e da nossa geração. Ficaremos, em toda a nossa existência, marcados por esse acontecimento, cuja lembrança será nossa companheira cruel. Mas não só nós. O mundo também.
Sinto-me assustado não só por ser brasileiro, não só por ter sete netos. Estou amedrontado por ser homem, por habitar este planeta.



   

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