quinta-feira, 14 de abril de 2011

Cumprimento de Sentença (Wambier)


CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES A RESPEITO DO CUMPRIMENTO DA SENTENÇA NOS TERMOS DA LEI No.11.232/2005

Em decorrência das profundas mudanças trazidas pela Lei 11.232/2005, a sentença condenatória que, no sistema processual vigente até fins de 2005, sofria sua execução em outro processo (nova relação jurídica processual), imediatamente posterior ao processo de conhecimento, passa, agora, a ser executada na mesma relação jurídica processual. Como primeiro destaque, portanto, da nova regra processual, deve-se colocar em relevo a unificação de procedimentos, entre a ação decorrente de pedido condenatório e a ação de execução.
As recentíssimas alterações do CPC, decorrentes da Lei 11.232/2005, determinam que, ao invés de tratar-se, como se fazia tradicionalmente, da execução de sentença, trate-se, agora, do chamado “cumprimento de sentença”. Justifica-se, é bom que se diga, a utilização dessa locução, em razão do fato de o art. 475-I fazer alusão tanto ao cumprimento em sentido estrito, das sentenças dadas com fundamento nos arts. 461 e 461-A, quanto ao cumprimento (isto é, à “execução”) da sentença a que se refere o art. 475-J do CPC. Na realidade, a sentença dada nos termos do art. 475-J do CPC é sentença sui generis, na medida em que tem características de sentença condenatória e de sentença executiva lato sensu.
A alteração do procedimento de execução de sentença, no que toca ao dever de pagar quantia em dinheiro, atualmente regulado pelos arts. 475-J ss., encerrou, por assim dizer, o ciclo iniciado há uma década, com a alteração do art. 461 do CPC. Considerando que o direito processual deve se amoldar ao fim a ser alcançado, às soluções jurídicas estabelecidas pelo sistema processual aos direitos veiculados nas ações judiciais não poderiam se condicionar à observância de proposições teóricas de pouca ou nenhuma relevância prática. O princípio da autonomia entre processo de conhecimento e processo de execução, por exemplo, não decorre de qualquer exigência lógica, mas do fato de que, em razão da diversidade da natureza dos atos realizados na declaração (em sentido amplo) e na execução, é mais harmonioso alocarem-se tais atos em processos distintos.
A primeira alteração relevante, decorrente do art. 475-J do CPC, está na eliminação da separação entre processo de conhecimento e de execução, já que as atividades voltadas à condenação e à execução passam a ocorrer no mesmo processo.
A regra do art. 475-J do CPC, ao unificar procedimentalmente as ações condenatória e de execução, está sintonizada com as modificações processuais da última década.
Outra modificação importante é a que possibilita a execução indireta da sentença que condena ao pagamento de quantia certa. A lei prevê medida executiva coercitiva ope legis, já que o descumprimento da obrigação fixada na sentença condenatória causará a incidência de multa de 10% sobre o valor da condenação.
A sentença proferida na forma do art. 475- do CPC, é dotada de duas eficácias executivas distintas: é sentença imediatamente executiva no que diz respeito à incidência da medida coercitiva; é sentença meramente condenatória, logo, mediatamente executiva, quanto à realização da execução por expropriação.
A possibilidade do manejo de medidas coercitivas para o cumprimento de sentença que determina o pagamento de soma em dinheiro não é novidade em nosso direito. Veja-se, a propósito, a execução de sentença condenatória ao pagamento de pensão alimentícia, em que é possível a prisão civil (medida coercitiva). Tratava-se de situação excepcional em nosso direito. O art. 475-J do CPC, prevê o uso da coerção para o cumprimento da sentença que condena ao pagamento de soma em dinheiro (mediante a aplicação de multa).
Essa inovação, sem dúvida, incrementa o uso de medidas executivas voltadas à obtenção do cumprimento da obrigação, sem que sua aplicação se sujeite à decisão do juiz. O art. 475-J do CPC é taxativo, ao impor a incidência da multa no caso de descumprimento da condenação, não podendo o juiz optar entre esta ou outra medida coercitiva.
A multa referida no art. 475-J do CPC, atua como medida executiva coercitiva, e não como medida punitiva. Assim, a multa do art. 475-J pode ser cumulada com a do art. 14, inc. V e § único.
A incidência da multa somente poderá ser afastada excepcionalmente, em casos em que o cumprimento da obrigação pelo réu seja impossível ou muito difícil, causando-lhe gravame excessivo e desproporcional.
A multa não existe autonomamente, em relação à obrigação imposta na sentença. Por isso, se for provida a apelação do réu, com o julgamento de improcedência do pedido, a multa não incidirá.
Segundo se extrai do art. 475-J, o executado não é intimado para pagar ou nomear bens à penhora, mas para cumprir a obrigação. Não a cumprindo, incidirá a multa e, a pedido do credor, realizar-se-ão atos executivos de expropriação.
O devedor tem 15 dias para cumprir a obrigação. Escoado tal prazo, sem o cumprimento pelo devedor, poderá o credor requerer a realização da execução. Trata-se da incidência, nessa hipótese, do princípio dispositivo, eis que a norma condiciona a realização de atos executivos a pedido. Não poderá o juiz, de ofício, determinar a realização de atos de expropriação sobre o patrimônio do réu.
Caso, requerida a execução, a sentença exeqüenda seja anulada ou reformada, total ou parcialmente, incidirá o disposto no art. 574 do CPC, responsabilizando-se o autor pelos danos causados ao réu.
Em seu requerimento, o exeqüente poderá indicar os bens a serem penhorados (CPC, art. 475-J, § 3º). Do disposto no § 3º do art. 475-J decorre conseqüência processual importantíssima: a de que, na execução de sentença que determina o pagamento de soma em dinheiro, é o autor/exeqüente, e não o réu/executado, quem tem direito de indicar bens à penhora.
O executado pode discordar da indicação de bens feita pelo exeqüente. É uniforme a jurisprudência no sentido de que a ordem a que se refere o art. 655 do CPC não é absoluta. Assim, havendo controvérsia, deve o juiz decidir em atenção aos princípios da máxima efetividade (CPC, art. 612) e da menor restrição possível (CPC, art. 620), e, se for o caso, determinar que a penhora recaia sobre o bem indicado pelo executado, e não pelo exeqüente.
No novo sistema de cumprimento de sentença, não há mais embargos à execução, salvo se se tratar de execução contra a Fazenda Pública (CPC, art. 741). Caso o executado queira opor-se à execução, deverá oferecer impugnação, no prazo de 15 dias ( § 1º do art. 475-J), que não se reveste da natureza de ação autônoma. Por outro lado, a impugnação não suspende a execução, salvo se presentes os requisitos do art. 475-M do CPC.
À semelhança do que ocorria com os embargos à execução fundada em título judicial, o executado poderá opor impugnação após a realização da penhora (CPC, art. 475-J, § 1º).
Ao requerer a realização da execução e indicar os bens sobre os quais recairá a penhora (art. 475-J, § 3º), poderá o exeqüente estimar o seu valor.
O § 2º do art. 475-J, permite que a avaliação seja feita por oficial de justiça, salvo quando depender de “conhecimentos especializados”. A avaliação feita por oficial de justiça deve ser tão cuidadosa quanto aquela feita pelo perito. Deverá o oficial de justiça indicar, na avaliação, os critérios que seguiu para chegar ao valor atribuído ao bem.
Em linhas gerais, são essas algumas das principais mudanças decorrentes da edição da Lei n. 11.232/2005, no que diz respeito à nova “execução de sentença” (i.é. cumprimento de sentença).  
Luiz Rodrigues Wambier Advogado no Paraná, Professor dos Cursos de Mestrado em Direito das Faculdades Integradas Curitiba e da Universidade de Ribeirão Preto; autor, dentre outros trabalhos, do livro Sentença civil: liquidação e cumprimento, Ed. RT, 2006.

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