terça-feira, 10 de maio de 2011

Revisão Para Avaliação da Coordenação -LEP - Lavagem de Dinheiro(Capitais)

Conceito

Consoante leciona Luiz Flávio Gomes (1998:229), o Ministro Evandro Lins e Silva, presidente da Comissão de Reforma do Código Penal Brasileiro, trabalhava com a seguinte definição:
Lavagem de Dinheiro:  prestar qualquer serviço financeiro destinado a encobrir a real origem de dinheiro, de qualquer outro bem ou valor.

Relevância do estudo

Pesquisa de Joelmir Betting, realizada em 1997 e mencionada por Luiz Flávio Gomes (1998:229), conclui que, naquele ano, as manobras relacionadas à lavagem de dinheiro alcançaram a cifra de 1 trilhão de dólares. Apenas esta informação seria suficiente para fundamentar a necessidade e a importância do estudo do tema com mais afinco. Pertinente destacar, todavia, alguns outros aspectos, tanto mundiais quanto nacionais, como se fará a seguir.
Acreditava-se (e hoje ainda há quem creia) que a criminalização da lavagem de capitais seria útil ao controle do crime organizado. Na Convenção de Viena/88, defendia-se que, confiscando o dinheiro do traficante, acabar-se-ia com o tráfico.
Questão controvertida ora se levanta, uma vez que não há comprovação de tal realidade, haja vista que, por óbvio, nunca se confiscou todo esse dinheiro. Ademais, a Criminologia já desprezou a chamada prevenção dissuasória, concluindo que a sanção penal não é suficiente para prevenir a delinqüência.
Vale apontar, finalmente, a base ética à criminalização da multimencionada conduta: primeiro, não deixar dinheiro sujo em circulação no mercado; segundo, evitar que o dinheiro ilícito, lavado, gere outros ilícitos (entorpecentes, armas etc.)
Em 1996, estimava-se que a movimentação financeira vinculada à lavagem de dinheiro atingia cerca de 500 bilhões de reais por ano. Além disso, São Paulo e Rio de Janeiro eram indicados como lugares propícios à prática da lavagem.
Joaquim Castilla Jimenez, preso em Fortaleza em 06/10/99, contou, em depoimento citado por Juarez Cirino dos Santos, haver legalizado 720 milhões de dólares do Cartel de Cáli com a simples remessa de dinheiro a partir de contas nos EUA e em Bahamas para contas bancárias no Brasil. Desnecessário comentar a facilidade da manobra.
Bem jurídico protegido
Em profundo estudo em torno do bem jurídico que seria protegido pela legislação criminalizadora da lavagem de capitais, Roberto Podval (1998:221) chega às seguintes conclusões, simplificadamente escritas e com destaques não originais:
a)ordem sócio-econômica NÃO é bem jurídico, mas esfera da vida coletiva apta a merecer tutela penal através da proteção dos valores que a compõem;
b)nem sempre a lavagem de dinheiro fere a ordem sócio-econômica, pois há crime, ainda que o resultado, para tal ordem, seja positivo;
c)a circulação dos bens no mercado também não pode ser o bem tutelado, pois dependeria de análise futurista sobre eventual abalo econômico gerado pela lavagem;
d)o crime de lavagem de dinheiro difere do da receptação, porque, na lavagem, nem sempre há interesse patrimonial, caracterizando-se, antes, como um plus à receptação;
e)BEM TUTELADO: ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA. Afinal, os autores da lavagem, visando proteger os responsáveis pelo crime antecedente, acabam obstruindo a justiça, impossibilitando a punição dos culpados.
Aqui importa trazer à baila a questionada distinção, em termos político-criminais entre dinheiro sujo, advindo de ilícitos penais, e dinheiro negro, oriundo da sonegação fiscal, da economia paralela, o qual não foi abarcado pela Lei nº 9.613, de 03 de março de 1998.
No II Congresso da Associação Brasileira de Direito Tributário, realizado em 1998, concluiu-se que as sanções e os procedimentos previstos na Lei nº 9.613/98, não se aplicam ao crime de sonegação fiscal, consoante menciona a professora Misabel Abreu Machado Derzi (2000:216).

6. Elemento subjetivo do tipo: o dolo

Nas lições de William Terra de Oliveira (1998:120), trata-se da potencial consciência de que se está ocultando dinheiro ou bens provenientes dos crimes elencados. O autor deve saber ou, ao menos, admitir – teoria da representação – que pratica ou concorre para a lavagem de dinheiro.
Enquanto elemento subjetivo do tipo, o dolo pode ser direto ou eventual, atingindo, por exemplo, um diretor de instituição financeira que deixa de comunicar operação típica de lavagem de capitais. Afinal, ele ocupa a posição de garante em evitar o resultado.
André Luís Callegari (2002:507), ao mergulhar no estudo do erro de tipo no crime de lavagem de dinheiro, constata que, como tal consciência é elemento normativo do tipo, se o sujeito desconhece ou ignora que o dinheiro ou bem procede de um dos delitos enumerados como crimes antecedentes, atuará em erro de tipo (impunidade), sendo irrelevantes a culpabilidade ou a punibilidade.

7. Fases da lavagem

Em quase todos os trabalhos pesquisados sobre o tema, as fases do delito da lavagem de dinheiro são elencadas e descritas de forma semelhante. Eis uma visão esquemática sobre o usual desdobramento do delito:
7.1.1ª etapa – colocação do dinheiro ou bens no mercado, ocultando a origem mediante depósito bancário, compra de bem etc.;
7.2.2ª etapa – superposição de transações por meio da rede bancária, de bolsa de valores ou investimentos etc., visando distanciar o dinheiro de sua origem;
7.3.3ª etapa – reversão ao mercado:
- lícito: imóveis, ouro, ações, jóias etc.;
- ilícito: financiamento de novos delitos.
A expansão desse crime tem sido facilitada pela transnacionalização ou globalização da economia e das organizações criminosas, bem como pelo avanço tecnológico, que viabiliza transações internacionais on line. Além disso, entidades dos cerca de 80 paraísos fiscais promovem a lavagem e dela participam.
Marcelo Bautlouni Mendroni (2001:482) aponta técnicas utilizadas pelos criminosos com vistas à ocultação do dinheiro sujo, algumas das quais ora se enumera:
a)empresas fictícias – inexistem fisicamente, movimentando, contudo, dinheiro em nome próprio;
b0vendas fraudulentas de imóveis – declara-se, no contrato de compra e venda, valor inferior ao efetivamente pago pelo imóvel, o qual, ao ser novamente lançado no mercado, no preço real, torna aparentemente lícita a origem da diferença;
c)empresas de fachada – existe, tanto fisicamente, quanto no papel, participando, ao menos aparentemente, de atividade lícita, porém utilizado como instrumento de lavagem;
d)mescla – mistura de capital ilícito com lícito, apresentando-se ambas as receitas como advindas de atividade lícita da empresa;
e)estruturação – divisão do montante em pequenas fatias não fiscalizáveis;
f)contrabando de dinheiro – transporte físico do dinheiro para outro país, desligando-o da origem ilícita quando da aplicação em banco estrangeiro.
No Brasil, o "vídeo-bingo" tem sido a técnica predileta do narcotráfico. Em depoimento mencionado por Juarez Cirino dos Santos, Lillo Lauricela, preso pela Divisão Antimáfia da Itália, afirmou que a abertura de bingos eletrônicos no Brasil despertou o interesse de empresários europeus e da máfia italiana para a venda de máquinas e para a lavagem do dinheiro advindo da comercialização da cocaína.
 Alguns aspectos processuais
8.1.competência
Ângelo Roberto Ilha da Silva (2001:308), em estudo pormenorizado sobre a matéria, aponta as seguintes conclusões, baseadas no próprio texto normativo:
- a competência para processar e julgar o crime da lavagem de dinheiro é da Justiça Federal quando os bens jurídicos atingidos forem aqueles expressos no art. 2º, III, a (sistema financeiro, ordem econômico-financeira, bens serviços ou interesses da União Federal, entidades autárquicas ou empresas públicas federais) ou quando a Justiça Federal for competente para o processamento do crime antecedente;
- à Justiça Estadual, cabe, por sua vez, a competência residual.
8.2.procedimento
Em relação ao procedimento, que é o comum para os crimes punidos com reclusão, do juiz singular, lamenta-se a não previsão da defesa preliminar. Ressalte-se que parte respeitável da doutrina pátria tem apregoado a adoção da defesa preliminar em todos os tipos de delito.
8.3.denúncia
Conforme disposto na lei em comento, a denúncia deve ser instruída com indícios suficientes da existência do crime antecedente. Propõe-se a necessidade de efetiva observância aos seguintes desdobramentos:
- indícios – trata-se da real probabilidade de ocorrência de um fato delituoso. Não se restringem, assim, a meras suspeitas, mas ao convencimento do órgão acusatório;
- existência do crime antecedente – refere-se ao suporte probatório da prática do crime (tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade, afastada esta pela 2ª parte do §1º do art. 2º da norma em tela), não se contentando com a materialidade, apenas;
- justa causa – figura como instrumento de tutela da dignidade, uma vez que esta já é atingida pela mera instauração do processo. A verificação desta deve fundamentar o oferecimento da denúncia ou o arquivamento do inquérito e, na primeira hipótese, o recebimento ou a rejeição da denúncia pelo órgão julgador.
8.4.inconstitucionalidades
Da análise da Lei nº 9.613/98, vislumbram-se diversos pontos controvertidos que, pretendendo tornar a sanção mais severa, terminam por suprimir direitos fundamentais, ou mesmo por criar distorções de difícil aplicabilidade. Segundo Luiz Flávio Gomes (1998:226), "É um erro lamentável tentar conter a criminalidade com o corte de direito e garantias fundamentais.".
Como esclarecido na introdução, este trabalho não visa esgotar o tema ou propor grandes novidades, mas também busca evitar as repetições encontradas na maior parte dos trabalhos sobre o assunto, de forma que ora se selecionam apenas alguns dos deslizes da legislação frente à Constituição Federal:
- proibição de fiança – aqui aparece, de plano, lapso do legislador. Afinal, quando for o caso, o acusado há de ser solto, independentemente de fiança, de forma que, visando tornar mais rígido o procedimento, o legislador retirou a possibilidade de prestação de fiança em um crime de tão estreita vinculação com o capital, no qual caberia exigência de alto valor;
- proibição de liberdade provisória – na realidade, aqui se trava um embate entre o Legislativo e o Judiciário, porque aquele, tentando majorar o jugo sobre os praticantes de determinados delitos, termina por usurpar a função jurisdicional, à qual cabe, privativa e fundamentadamente, decretar a prisão, ressalvado o flagrante. Assim, afigura-se inconstitucional a imposição de prisão pelo Legislativo, ao qual incumbe apenas estatuir os critérios abstratos;
- inaplicabilidade do art. 366 do CPP (suspensão do processo decorrente da citação por edital) – contradição com art. 4º § 3º. Luiz Flávio Gomes (1998:226), citando Ferrajoli, entende que o art. 2º, §2º possui vigência, mas não validez, notadamente porque o direito de ser noticiado da acusação integra a ampla defesa;
- inversão do ônus da prova em relação à licitude dos bens que foram objeto de apreensão e ao seqüestro – aparentemente, tal dispositivo (art. 4º, §2º) figura como atentatório ao princípio da presunção de inocência. Todavia, à luz das calorosas discussões sobre a referida norma, conclui-se, em interpretação conforme a Constituição Federal, que a inversão restringe-se ao momento anterior à sentença. Ora, essa interpretação merece guarida, principalmente quando se leva em conta que a própria lei já determina o destino dos bens quando da prolação da sentença: se condenatória, perdem-se os bens em favor da União Federal; se absolutória, aqueles são liberados, já não mais fazendo sentido qualquer prova em torno da licitude ou não dos mesmos.
Assim, considerando que a medida constritiva tem por base indícios suficientes do cometimento do delito, o denunciado, caso deseje ver seus bens liberados antecipadamente, deve provar a licitude de sua origem, em verdadeira contracautela.

Conclusão:Como explicitado na introdução, este ensaio não tem a pretensão de acirrar as já calorosas controvérsias sobre o tema ou trazer novidades solucionadoras dos problemas postos.
Dessa forma, resta concluir que a legislação tocante à Lavagem de Dinheiro é débil, cabendo à doutrina fornecer alicerces para viabilizar minimamente a sua aplicação, a começar pela conceituação, e desembocando nos labirintos processuais decorrentes da fragilidade do conhecimento técnico-jurídico do legislador.
Não se há de questionar a relevância do combate à lavagem de dinheiro, bem como às organizações criminosas de uma maneira geral, com todos os delitos que as cirandam. Os rigores do legislador, todavia, não se bastam à efetiva contenção da criminalidade, notadamente quando estão em jogo vultosas quantias, capazes de alimentar o já corrompido sistema.
Não se desprezem, porém, os anônimos esforços no sentido de esvaziar essa criminalidade tão corrosiva ao desenvolvimento da sociedade e à formação de um país mais justo.
Oxalá sirva, a Lei nº 9.613/98, para desmentir o antigo ditado: "A lei é como uma teia de aranha: se nela cai alguma coisa leve, ela retém; o que é pesado rompe-a e escapa" (cf. Marcelo Batlouni Mendroni, 2001:489).

10. Referências

CALLEGARI, André Luís. O erro de tipo no delito de lavagem de dinheiro. Revista dos Tribunais, a. 91, v. 798, p. 502-507, abr. 2002.
CERVINI, Raúl, OLIVEIRA, William Terra de, GOMES, Luiz Flávio. Lei de lavagem de capitais. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1998.
DERZI, Misabel Abreu Machado. Alguns aspectos ainda controvertidos relativos aos delitos contra a ordem tributária. Revista Brasileira de Ciências Criminais, a. 8, n. 31, p. 201-216, jul./set. 2000.
GOMES, Luiz Flávio. Lei de lavagem de capitais. Repertório IOB de Jurisprudência, n. 11/98, caderno 3, p. 224-229, 1ª quinzena de jun. 1998.
MENDRONI, Marcelo Batlouni. Tópicos essenciais da lavagem e dinheiro. Revista dos Tribunais, a. 90, v. 787, p. 479-489, mai. 2001.
OLIVEIRA, William Terra de. A criminalização da da lavagem de dinheiro – aspectos penais da Lei 9.613 de 1º.03.1998. Revista Brasileira de Ciências Criminais, a. 6, n. 23, p. 111-129, jul./set. 1998.
PODVAL, Roberto. O bem jurídico do delito de lavagem de dinheiro. Revista Brasileira de Ciências Criminais, a. 6, n. 24, p. 209-222, out./dez. 1998.
SADDI, Jairo. A nova lei de "lavagem de dinheiro" e sua constitucionalidade. Revista dos Tribunais. Caderno de Direito Tributário e Finanças Públicas, a. 6, n. 23, p. 25-31, abr./jun. 1998.
SILVA, Ângelo Roberto Ilha da. Da competência nos delitos de lavagem de dinheiro. Revista Brasileira de Ciências Criminais, a. 9, n. 36, p. 305-308, dez. 2001.

Alzeni Martins Nunes Gomes

Servidora Pública da Justiça Federal da Bahia









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