terça-feira, 10 de maio de 2011

Revisão Para AC - Legislação Especial Penal Lei 9.807/99

Estudos sobre a Lei nº 9.807/99.

Proteção a vítimas e testemunhas

 

I - Introdução

A Lei nº 9.807/99, de 13 de julho de 1999 estabelece normas para a organização e a manutenção de programas especiais a vítimas e testemunhas ameaçadas, institui o Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas ameaçadas e dispõe ainda, sobre a proteção de acusados ou condenados que tenham voluntariamente prestado efetiva colaboração à investigação policial e ao processo criminal.
Trouxe a nova lei a nítida impressão que, a partir de sua vigência, inúmeros crimes fossem esclarecidos e importante instrumento estaria disponível, em especial, à almejada diminuição dos atuais índices de violência que assolam o país. Isso, como podemos perceber praticamente três anos após sua efetiva utilização, não veio a ocorrer.
Nesse modesto estudo feito por um interessado no tema e também interessado na segurança pública do país, tentamos esclarecer alguns pontos da legislação citada, e que, até o presente momento, muitos desconhecem, inclusive, autoridades ligadas à própria área da segurança. Todos ouviram falar sobre a legislação, poucos a conhecem com profundidade. Não é essa nossa intenção, aprofundar-se no tema, mas sim, esclarecer tópicos relevantes.
A Lei nº 9.807/99 foi regulamentada pelo Decreto Federal nº 3.518, de 20 de junho de 2000. Nos comentários que a seguir serão feitos, também será feita menção ao referido decreto e ainda a Lei de Proteção de Testemunhas do Estado de São Paulo (Lei nº 10.354/99) bem como a sua regulamentação através do Decreto Estadual nº 44.214/99.

II - Da Proteção Especial a Vítimas e a Testemunhas (Artigos 1º a 12)

O capítulo primeiro da lei trata da proteção especial a vítimas e testemunhas e também regras gerais sobre o programa de proteção.
Art. 1º As medidas de proteção requeridas por vítimas ou por testemunhas de crimes que estejam coagidas ou expostas a grave ameaça em razão de colaborarem com a investigação ou processo criminal serão prestadas pela União, pelos Estados e pelo Distrito Federal, no âmbito das respectivas competências, na forma de programas especiais organizados com base nas disposições desta Lei.

§ 1º A União, os Estados e o Distrito Federal poderão celebrar convênios, acordos, ajustes ou termos de parceria entre si ou com entidades não-governamentais objetivando a realização dos programas.
§ 2º A supervisão e a fiscalização dos convênios, acordos, ajustes e termos de parceria de interesse da União ficarão a cargo do órgão do Ministério da Justiça com atribuições para a execução da política de direitos humanos.
· Assim, de início, estabelece a lei que vítimas e testemunhas de crimes poderão requerer medidas de proteção, desde que estejam coagidas ou expostas a grave ameaça. Portanto, as próprias vítimas e testemunhas terão o direito de requerer as medidas de proteção.
Não descreve a lei o que se entende por "vítima ou testemunhas de crimes". Nesse ponto, a Lei nº 10.354/99 (Lei de Proteção à Vítimas de Violência no Estado de São Paulo), foi mais específica e, no seu artigo 2º, estabelece que entende-se por vítima de violência:
I) a pessoa que tenha sofrido dano de qualquer natureza, lesões físicas ou mentais, sofrimento psicológico, prejuízo financeiro ou substancial detrimento de seus direitos e garantias fundamentais, como conseqüência de ações ou omissões previstas na legislação penal vigente como delitos penais;
II) o cônjuge, companheiro ou companheira, bem como o ascendente e descendente em qualquer grau, ou colateral até o terceiro grau, por consangüinidade ou afinidade, que possuam relação de dependência econômica com a pessoa designada no inciso anterior;
III) a pessoa que tenha sofrido algum dano ou prejuízo, ao intervir para socorrer a outrem que houver sofrido violência ou estiver em grave perigo de sofrê-la; e
IV) a testemunha que sofrer ameaça por haver presenciado ou indiretamente tomado conhecimento de atos criminosos e detenha informações necessárias à investigação e apuração dos fatos pelas autoridades competentes.
Necessários alguns esclarecimentos quanto a algumas expressões utilizadas no texto da lei em análise (artigo 1º da Lei nº 9.807/99).
1- Somente poderão requerer tais medidas vítimas e testemunhas de crimes? E as vítimas e testemunhas de eventuais contravenções que estejam sendo coagidas ou expostas a grave ameaça? Estão excluídas do sistema de proteção e, conseqüentemente, não poderão requerer as medidas? Cremos que, apesar da lei não especificar, devemos incluir também as vítimas e testemunhas de contravenções. Não seria lógico não incluí-las, pois, nos dias atuais, apesar do entendimento de que as contravenções são infrações mais leves, não seria difícil em virtude do alto grau de criminalidade, que alguém viesse a sofrer coação ou grave ameaça por colaborar com a investigação ou processo criminal de contravenção penal. Devemos lembrar ainda que existem no direito pátrio não só as contravenções previstas na Lei das Contravenções Penais. Temos ainda outras contravenções na legislação extravagante. E o que dizer de testemunhas e eventual vítima da contravenção prevista no artigo 42 da L.C.P, versando sobre Perturbação do Sossego que passam a ser seriamente ameaças por pretenderem o fechamento de um grande estabelecimento comercial? Ficariam sem qualquer proteção?
Esse parece ser o entendimento de André Stefam Araújo Lima[1], para quem:

"...se aplicam a quaisquer crimes, desde que satisfaçam as exigências previstas na Lei. Aplicam-se, apesar da dicção legal, a contravenções penais ("se pode para o mais, por que não para o menos" – argumento do Prof. Damásio)."
Esse não é o entendimento de Bruno Cezar da Luz Pontes[2] a quem:
"O legislador fez bem ao não estipular quais os crimes que seriam necessários existir para que houvesse a proteção. Qualquer crime poderá dar ensejo à proteção. Claro que os crimes contra a vida e o seqüestro merecerão especial atenção e terão maior efetivação, por certo, assim como os crimes organizados e as quadrilhas, no que tange ao co-réu....É fundamental que o crimes ameacem a paz social, um mínimo que seja, sendo despiciendo usar de um programa com tal amplitude para crimes que nem mesmo sequer repercutem no meio social, ou que não possam ajudar a desbaratar certas organizações criminosas e outros crimes que afligem decisivamente o meio social. Não precisaria dizer que os crimes de menor potencial ofensivo, e até mesmo os de médio potencial ofensivo ficam, em princípio, de fora do programa."(grifo nosso)
2- Quais seriam ainda os significados das expressões "coagidas" ou "expostas a grave ameaça" ?
Coação, no dizer de Damásio E. de Jesus[3], é o emprego de força física ou de grave ameaça contra alguém, no sentido de que faça alguma coisa ou não. A coação pode ser física (vis absoluta) ou moral (vis compulsiva). No sentido do texto legal, portanto, a expressão abrange a coação física e também a moral.
A expressão "expostas a grave ameaça", nos parece que está incluída no conceito de coação anteriormente descrito. Ora, se coação é o emprego de força física ou grave ameaça contra alguém e, se, no texto, as vítimas e testemunhas estão coagidas, é óbvio que estão expostas a grave ameaça.
Para que haja as medidas de proteção, necessariamente vítimas ou testemunhas deverão estar sendo coagidas em razão de colaborarem com a investigação ou com o processo criminal. Portanto, a colaboração poderá se dar na tramitação do inquérito policial ou durante o processo crime. Recentemente houve a criação dos Juizados Especiais Criminais (Lei nº 9.099/95 com posterior ampliação dos conceitos de infração de menor potencial ofensivo através da Lei nº 10.259/01), instituindo para inúmeros crimes a elaboração de Termo Circunstanciado e não Inquérito Policial. No procedimento adotado pela lei dos juizados praticamente não há investigação criminal. Pergunta-se: podem ser incluídas no programa as vítimas e testemunhas de crimes de menor potencial ofensivo, apurados através de Termos Circunstanciados? Acreditamos novamente que sim, pois, seria um disparate não incluí-las no programa, ainda mais após a instituição dos juizados na esfera federal e a ampliação do conceito de infração de menor potencial ofensivo, incluindo inúmeros delitos que consideramos graves (Rixa Qualificada, Violação de Domicílio, Fraude no Comércio, Fraude à Execução, Frustração de Direito Assegurado por Lei Trabalhista, Assédio Sexual, Subtração de Incapazes, Exercício Ilegal da Medicina, Usurpação de Função Pública, Desacato, Resistência, entre outros da legislação extravagante).
De bom alvitre a conceituação da expressão "colaboração" utilizada no texto legal. De acordo com o Grande Dicionário Larousse Cultural da Língua Portuguesa, colaboração é o ato ou efeito de colaborar. Concurso, ajuda, auxílio. Colaborar é trabalhar com uma ou muitas pessoas numa obra; cooperar, concorrer, ajudar, auxiliar a fazer algo.
Finalmente, a parte final do artigo 1º estabelece que as medidas de proteção serão prestadas pela União, Estados e pelo Distrito Federal, no âmbito de suas respectivas competências. Observe-se que a lei não atribuiu aos Municípios o poder de prestar as medidas de proteção requeridas.
O §1º do artigo em análise estabelece ainda que a União, os Estados e o Distrito Federal poderão celebrar convênios, acordos, ajustes ou termos de parceria entre si ou com entidades não-governamentais objetivando a realização dos programas. Novamente não permitiu a legislação a participação dos municípios, permitindo, entretanto, a participação de entidades não governamentais. Entendo que não andou bem o legislador quando não permitiu os convênios com os municípios que, de alguma forma, poderiam colaborar nas medidas de proteção, em especial, abrigando vítimas e testemunhas.
Esse não é o entendimento de Bruno Cezar da Luz Pontes, para quem: "apesar da Constituição Federal ter feito referência às guardas municipais (art. 144, § 8º), fez mas com objetivo específico de proteção de bens, serviços e instalações do Município. Além do mais, poucos são os Municípios que mantém guardas municipais estruturadas e que, eventualmente, poderiam auxiliar na execução do programa protetivo."
Ainda segundo Bruno Cezar da Luz Pontes, em relação à celebração dos convênios, "necessário, portanto, que em todos os programas exista a participação de algum ente federativo. A Lei, implicitamente, proibiu a existência de programas sem a participação do Poder Público, mas, como não poderia ser diferente, vislumbrou a ajuda da comunidade na execução do programa." (grifo nosso)
O §2º nos parece de fácil compreensão, devendo apenas consignar que o órgão do Ministério da Justiça com atribuições para a execução da política de direitos humanos é a Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, a quem cabe a supervisão e fiscalização mencionadas no dispositivo, conforme o artigo 8º, inciso XVIII do Decreto Federal nº 4.053, de 13 de dezembro de 2001, que diz:
"Art.8º À Secretaria de Estado dos Direitos Humanos compete:
XVIII - coordenar e supervisionar a execução dos Programas de Assistência a vítimas e a Testemunhas Ameaçadas."
Art. 2º A proteção concedida pelos programas e as medidas dela decorrentes levarão em conta a gravidade da coação ou da ameaça à integridade física ou psicológica, a dificuldade de preveni-las ou reprimi-las pelos meios convencionais e a sua importância para a produção da prova.
§ 1º A proteção poderá ser dirigida ou estendida ao cônjuge ou companheiro, ascendentes, descendentes e dependentes que tenham convivência habitual com a vítima ou testemunha, conforme o especificamente necessário em cada caso.
§ 2º Estão excluídos da proteção os indivíduos cuja personalidade ou conduta seja incompatível com as restrições de comportamento exigidas pelo programa, os condenados que estejam cumprindo pena e os indiciados ou acusados sob prisão cautelar em qualquer de suas modalidades. Tal exclusão não trará prejuízo a eventual prestação de medidas de preservação da integridade física desses indivíduos por parte dos órgãos de segurança pública.
§ 3º O ingresso no programa, as restrições de segurança e demais medidas por ele adotadas terão sempre a anuência da pessoa protegida, ou de seu representante legal.
§ 4º Após ingressar no programa, o protegido ficará obrigado ao cumprimento das normas por ele prescritas.
§ 5º As medidas e providências relacionadas com os programas serão adotadas, executadas e mantidas em sigilo pelos protegidos e pelos agentes envolvidos em sua execução.
· Estabelece o caput do artigo 2º que a proteção concedida e as medidas delas decorrentes deverão levar em conta os seguintes fundamentos:
a) a gravidade da coação ou ameaça à integridade física ou psicológica (vis absoluta e vis compulsiva vistas anteriormente);
b) a dificuldade de preveni-las ou reprimi-las pelos meios convencionais e;
c) a sua importância para a produção da prova.
Devemos consignar, no momento, que tais elementos são essenciais para a admissão ou exclusão do programa e o Ministério Público será consultado sobre os mesmos, face o disposto no artigo 3º da mesma lei e que será objeto de apreciação mais adiante.
O §1º estende a proteção ao cônjuge, companheiro, ascendentes, descendentes e dependentes. Entretanto, condicionou a possível proteção desde que tais pessoas tenham convivência habitual com a vítima ou testemunha. Convivência habitual, no nosso entender, é a daquele que reside sob o mesmo teto, no mesmo local, ou que possuam uma convivência diária, corriqueira, freqüente. Cremos que o termo deve ser entendido de forma ampla, pois, caso contrário, de nada valeria, haja visto que perderia sua finalidade, que é a proteção aos familiares dos ameaçados.
Já o §2º elenca as pessoas que estão excluídas da proteção:
a) os indivíduos cuja personalidade ou conduta seja incompatível com as restrições de comportamento exigidas pelo programa;
Incluem-se aqui as vítimas e testemunhas (observe-se que o Capítulo I, trata da Proteção Especial a vítimas e testemunhas). O artigo 7º da lei em exame elenca uma série de restrições pelas quais a pessoa incluída no programa deverá submeter-se. Assim, nada mais lógico que estejam excluídos aqueles cuja conduta ou personalidade seja incompatível com as restrições de comportamento exigidas pelo programa (preservação da imagem e dados, suspensão temporária das atividades funcionais, sigilo em relação aos atos praticados, etc.).
b) os condenados que estejam cumprindo pena e;
Andou mal o legislador excluindo os condenados que estejam cumprindo pena. Óbvio que dentre esses condenados muitos podem ter informações importantíssimas sobre fatos em investigação e em muito contribuiriam para a elucidação e prisão de envolvidos. Além do mais, um programa sério de proteção não pode simplesmente excluir pessoas somente por estarem condenadas.
c) os indiciados ou acusados sob prisão cautelar em qualquer de suas modalidades.
A lei excluiu os indiciados (indiciados no decorrer do inquérito policial) e os acusados (aqueles que respondem a processo criminal) que estiverem sob prisão cautelar em qualquer de suas modalidades (flagrante, temporária, preventiva). Também não andou bem o legislador excluindo tais pessoas do programa. Imaginemos uma testemunha fundamental ao desmantelamento de uma quadrilha internacional de tráfico de drogas e que, por motivos outros fosse preso preventivamente em outro processo. Estaria ela, caso desejasse colaborar com a investigação sobre tráfico excluída do programa de proteção? Poderíamos cogitar da possibilidade da Proteção aos Réus Colaboradores, previsto no Capítulo II, entretanto, conforme análise apurada, aquela proteção somente poderá beneficiar o réu referente ao mesmo processo. Observe-se que no Capítulo II, o réu colaborador deve responder ao mesmo processo dos demais. Hipótese diferente desta por nós apresentada. O Decreto Federal 3.518/00, em parte solucionou o problema no seu artigo 10, quando tratou do Depoente Especial que analisaremos melhor no artigo 14 da lei em análise.
Este rol de excluídos tem recebido severas críticas. Apenas como exemplo, no ano de 1997 mais de 1.091 pessoas ingressaram no programa italiano; destas, somente cerca de 50 não tinham nenhuma relação com o mundo do crime, como bem lembrou André Stefam Araújo Lima.
O parágrafo único do artigo 4º do Decreto nº 3.518/00 permite a inclusão no programa de cônjuge, companheiro ou companheira, ascendentes, descendentes e dependentes que tenham convivência habitual com as pessoas elencadas no §2º do artigo 2º, ou seja, os indivíduos excluídos do programa. Portanto, apesar da Lei nº 9.807/99 excluir as pessoas acima enumeradas, o Decreto nº 3.518/00 admite a inclusão dos seus cônjuges, companheiros ou companheiras, ascendentes, descendentes e dependentes. Correto o posicionamento adotado pelo legislador nesse ponto, admitindo a inclusão dessas pessoas, entretanto, reforçando o que anteriormente foi dito quanto a incongruência da não inclusão dos condenados que estejam cumprindo pena e os indiciados ou acusados sob prisão cautelar.
A parte final do §2º diz ainda que a exclusão não trará prejuízo a eventual prestação de medidas de preservação da integridade física por parte dos órgãos de segurança pública. Pergunta-se: quem em sã consciência prestará qualquer tipo de colaboração sem proteção especial? Terá sua vida preservada sem qualquer proteção especial? É óbvio que não haverá colaboração.
O §3º estabelece que o ingresso no programa, as restrições de segurança e demais medidas por ele adotadas terão sempre (obrigatoriamente) a anuência, a concordância da pessoa protegida, ou de seu representante legal. Entretanto, após ingressar no programa, o protegido ficará obrigado ao cumprimento das normas por ele prescritas (§4º, artigo 2º), sob pena até de exclusão (artigo 10, II, b da Lei nº 9.807/99 e §3º do artigo 3º do Decreto nº 3.518/00). Todas as medidas e providências relacionadas ao programa serão mantidas em sigilo (§5º,artigo 2º).
Art. 3º Toda admissão no programa ou exclusão dele será precedida de consulta ao Ministério Público sobre o disposto no art. 2º e deverá ser subseqüentemente comunicada à autoridade policial ou ao juiz competente.
· Conforme estabelece o artigo 3º da lei e também o §1º do artigo 5º do Decreto nº 3.518/00, toda admissão ou exclusão no programa deverá ser precedida de consulta ao Ministério Público. A manifestação do MP neste caso deve se ater ao que dispõe o artigo 2º. Deverá o Ministério Público manifestar-se sobre a gravidade da coação ou da ameaça à integridade física ou psicológica, a dificuldade de preveni-las ou reprimi-las pelos meios convencionais e, principalmente, da sua importância para a produção da prova. "A única hipótese de inexistência de prévia consulta ao Ministério Público é a proteção provisória, em caso de urgência (art. 5º, § 3º), mas até mesmo nestes casos, como é evidente, deverá haver um posterior parecer ministerial. Apesar do § 3º omitir a necessidade de consulta ao Ministério Público, em caso de proteção provisória, há de se interpretar o referido dispositivo em combinação com o art. 3º, devendo sempre a posteriori haver parecer do mesmo sobre a existência dos fundamentos básicos para a proteção," fato bem lembrado por Bruno Cezar da Luz Pontes.
Estabelece ainda o artigo que, toda admissão ou exclusão do programa, deverá ser comunicada à autoridade policial ou ao juiz competente. É claro que a comunicação à autoridade policial deverá também ser feita à autoridade competente. Autoridade Policial competente é aquela encarregada de adotar medidas cabíveis ao caso.
Com relação a exclusão, Bruno Cezar da Luz Pontes, entende que "o Ministério Público tem legitimidade para requerer a exclusão da pessoa protegida do programa de proteção, apesar da omissão da Lei. A Lei 9.807/99 teve a preocupação de manter a competência exclusiva do Conselho Deliberativo para decidir, por maioria absoluta, sobre a exclusão da pessoa protegida do programa, em casos de cessação dos motivos que deram azo à proteção e também em caso de comportamento incompatível da pessoa protegida (poderá haver exclusão também se a própria pessoa pedir), cf. art. 10. No entanto, a Lei não falou nada sobre quem deveria esclarecer ao Conselho Deliberativo sobre a cessação dos motivos e sobre o comportamento da pessoa. Se o Ministério Público está acompanhando a proteção e está sabendo se existem ou não, ainda, os motivos, e também sobre o comportamento da pessoa, deverá, sim, solicitar o que bem entender, desde que fundamentado. O mesmo raciocínio vale também para se legitimar aqueles que já estão legitimados para pedir a admissão da pessoa no programa (juiz do processo, delegado do inquérito, órgãos públicos e privados com atribuição de defesa dos direitos humanos)."
Art. 4º Cada programa será dirigido por um conselho deliberativo em cuja composição haverá representantes do Ministério Público, do Poder Judiciário e de órgãos públicos e privados relacionados com a segurança pública e a defesa dos direitos humanos.
§ 1º A execução das atividades necessárias ao programa ficará a cargo de um dos órgãos representados no conselho deliberativo, devendo os agentes dela incumbidos ter formação e capacitação profissional compatíveis com suas tarefas.
§ 2º Os órgãos policiais prestarão a colaboração e o apoio necessários à execução de cada programa.
· O programa é composto, conforme o artigo 2º do Decreto 3518/00 pelo Conselho Deliberativo Federal, Órgão Executor Federal e a Rede Voluntária de Proteção.
O Conselho Deliberativo Federal, composto (artigo 7º do Decreto 3518/00) por um representante da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, da Secretaria Nacional da Segurança Pública, da Secretaria Nacional da Justiça, do Departamento de Polícia Federal, do Ministério Público Federal (todos indicados pelo Ministro de Estado da Justiça), do Poder Judiciário Federal (indicado pelo STJ), representante de entidade não-governamental com atuação na proteção de vítimas e testemunhas (indicado pelo Secretário de Estado dos Direitos Humanos) tem suas competências elencadas no artigo 6º da Lei nº 9.807/99 e do Decreto nº 3.518/00.
Dentre as principais competências temos:
a)Decidir sobre os pedidos de admissão e exclusão do programa;
b)Solicitar às autoridades competentes medidas de proteção;
c)Solicitar ao Ministério Público as providências necessárias à obtenção de medidas judiciais acautelatórias;
d)Adotar as providências necessárias para obtenção judicial de alteração da identidade civil;
e)Fixar o valor máximo da ajuda financeira mensal aos beneficiários da proteção.
Art. 5º A solicitação objetivando ingresso no programa poderá ser encaminhada ao órgão executor:
I - pelo interessado;
II - por representante do Ministério Público;
III - pela autoridade policial que conduz a investigação criminal;
IV - pelo juiz competente para a instrução do processo criminal;
V - por órgãos públicos e entidades com atribuições de defesa dos direitos humanos.
§ 1º A solicitação será instruída com a qualificação da pessoa a ser protegida e com informações sobre a sua vida pregressa, o fato delituoso e a coação ou ameaça que a motiva.
§ 2º Para fins de instrução do pedido, o órgão executor poderá solicitar, com a aquiescência do interessado:
I - documentos ou informações comprobatórios de sua identidade, estado civil, situação profissional, patrimônio e grau de instrução, e da pendência de obrigações civis, administrativas, fiscais, financeiras ou penais;
II - exames ou pareceres técnicos sobre a sua personalidade, estado físico ou psicológico.
§ 3º Em caso de urgência e levando em consideração a procedência, gravidade e a iminência da coação ou ameaça, a vítima ou testemunha poderá ser colocada provisoriamente sob a custódia de órgão policial, pelo órgão executor, no aguardo de decisão do conselho deliberativo, com comunicação imediata a seus membros e ao Ministério Público.
· O artigo 5º da Lei nº 9.807/99 elenca aqueles que poderão encaminhar solicitação para ingresso no programa.
Estão entre eles:
- o interessado: permite a lei que o próprio interessado poderá solicitar o ingresso no programa. O artigo 5º, inciso I do Decreto nº 3.518/00 admitiu ainda que o representante legal do interessado possa também solicitar o ingresso do interessado no programa, no que andou bem.
- representante do Ministério Público: deverá obedecer-se aqui, s.m.j., o princípio do promotor natural, face o disposto quanto à autoridade policial e a autoridade judiciária.
- autoridade policial que conduz a investigação criminal: a lei é clara no sentido de permitir somente o Delegado de Polícia que está conduzindo a investigação, parecendo lógico tal raciocínio.
- juiz competente para a instrução do processo criminal: a lei observou aqui os princípios da jurisdição, no que andou bem, motivo pelo qual somente o promotor natural também poderá fazer a solicitação conforme acima mencionamos.
- órgãos públicos e entidades com atribuições de defesa dos direitos humanos.
O §1º estabelece as informações obrigatórias que deverão acompanhar a solicitação de ingresso no programa: qualificação da pessoa a ser protegida, informações sobre sua vida pregressa, o fato delituoso de que foi vítima ou testemunhou e a coação ou ameaça que está sofrendo (informações também exigidas pelo parágrafo único, incisos I a V do artigo 5º do Decreto nº 3.518/00).
Já o §2º estabelece as informações adicionais que o órgão executor poderá solicitar, com concordância do interessado: documentos ou informações comprobatórios da identidade da pessoa a ser protegida, estado civil, situação profissional, patrimônio e grau de instrução; existência de pendências de obrigações civis, administrativas, fiscais, financeiras ou penais; exames ou pareceres técnicos sobre a sua personalidade, estado físico ou psicológico.
O §3º estabelece que em caso de urgência e levando em consideração a procedência, gravidade e a iminência da coação ou ameaça, a vítima ou testemunha poderá ser colocada provisoriamente sob a custódia de órgão policial. De bom alvitre o parágrafo em questão, uma vez que situações existem de extrema gravidade e que são necessárias medidas urgentes, não se podendo aguardar os trâmites burocráticos existentes.

Art. 6º O conselho deliberativo decidirá sobre:
I - o ingresso do protegido no programa ou a sua exclusão;
II - as providências necessárias ao cumprimento do programa.
Parágrafo único. As deliberações do conselho serão tomadas por maioria absoluta de seus membros e sua execução ficará sujeita à disponibilidade orçamentária.
· O artigo 6º trata sobre as decisões do Conselho Deliberativo que já foram discutidas quando da análise do artigo 4º.
Art. 7º Os programas compreendem, dentre outras, as seguintes medidas, aplicáveis isolada ou cumulativamente em benefício da pessoa protegida, segundo a gravidade e as circunstâncias de cada caso:
I - segurança na residência, incluindo o controle de telecomunicações;
II - escolta e segurança nos deslocamentos da residência, inclusive para fins de trabalho ou para a prestação de depoimentos;
III - transferência de residência ou acomodação provisória em local compatível com a proteção;
IV - preservação da identidade, imagem e dados pessoais;
V - ajuda financeira mensal para prover as despesas necessárias à subsistência individual ou familiar, no caso de a pessoa protegida estar impossibilitada de desenvolver trabalho regular ou de inexistência de qualquer fonte de renda;
VI - suspensão temporária das atividades funcionais, sem prejuízo dos respectivos vencimentos ou vantagens, quando servidor público ou militar;
VII - apoio e assistência social, médica e psicológica;
VIII - sigilo em relação aos atos praticados em virtude da proteção concedida;
IX - apoio do órgão executor do programa para o cumprimento de obrigações civis e administrativas que exijam o comparecimento pessoal.
Parágrafo único. A ajuda financeira mensal terá um teto fixado pelo conselho deliberativo no início de cada exercício financeiro.
· O artigo 7º estabelece as medidas aplicáveis, isolada ou cumulativamente às pessoas protegidas. Observe-se que o rol não é taxativo como o próprio artigo fez questão de frisar, utilizando a expressão "dentre outras". Assim, eventualmente, outras medidas poderão ser adotadas como, por exemplo, a alteração da identidade civil (prevista no artigo 6º, V do Decreto Regulamentador).
Referidas medidas também estão disciplinadas no Decreto em seu artigo 1º, parágrafo único. O artigo 3º da Lei 10.354/99 (Lei de Proteção em São Paulo), elenca ainda uma série de outras medidas que podem ser aplicadas, entre elas: informar, orientar e assessorar as vítimas de violência, nos envolvimentos com questões de natureza criminal, civil, familiar ou constitucional; colaborar para a adoção de medidas imediatas de reparação ao dano ou lesão sofrida pela vítima; acompanhar as diligências policiais ou judiciais, especialmente nas situações de crimes violentos; garantir acesso à educação para os filhos que perderem o sustento familiar através de concessão de bolsas de estudo; elaborar e veicular campanhas de prevenção à violência e de conscientização da população quanto à importância de contribuir para a investigação e apuração de atos criminosos, entre outras.
Art. 8º Quando entender necessário, poderá o conselho deliberativo solicitar ao Ministério Público que requeira ao juiz a concessão de medidas cautelares direta ou indiretamente relacionadas com a eficácia da proteção.
· O artigo em questão apresenta a mesma hipótese do Decreto nº 3.518/00, em especial no artigo 6º, inciso III, como uma das atribuições do Conselho Deliberativo.
Assim, o Ministério Público, se acionado, poderá requerer ao juiz concessão de medidas cautelares relacionadas à eficácia da proteção. O juiz é claro, como já esclarecido, é o competente para a instrução do processo criminal (art.5º, IV). É claro que, caso o Ministério Público entenda necessário, independente do Conselho Deliberativo, poderá requerer ao juiz as mesmas medidas, até por questão de dever legal.
Art. 9º Em casos excepcionais e considerando as características e gravidade da coação ou ameaça, poderá o conselho deliberativo encaminhar requerimento da pessoa protegida ao juiz competente para registros públicos objetivando a alteração de nome completo.
§ 1º A alteração de nome completo poderá estender-se às pessoas mencionadas no § 1º do art. 2º desta Lei, inclusive aos filhos menores, e será precedida das providências necessárias ao resguardo de direitos de terceiros.
§ 2º O requerimento será sempre fundamentado e o juiz ouvirá previamente o Ministério Público, determinando, em seguida, que o procedimento tenha rito sumaríssimo e corra em segredo de justiça.
§ 3º Concedida a alteração pretendida, o juiz determinará na sentença, observando o sigilo indispensável à proteção do interessado:
I - a averbação no registro original de nascimento da menção de que houve alteração de nome completo em conformidade com o estabelecido nesta Lei, com expressa referência à sentença autorizatória e ao juiz que a exarou e sem a aposição do nome alterado;
II - a determinação aos órgãos competentes para o fornecimento dos documentos decorrentes da alteração;
III - a remessa da sentença ao órgão nacional competente para o registro único de identificação civil, cujo procedimento obedecerá às necessárias restrições de sigilo.
§ 4º O conselho deliberativo, resguardado o sigilo das informações, manterá controle sobre a localização do protegido cujo nome tenha sido alterado.
§ 5º Cessada a coação ou ameaça que deu causa à alteração, ficará facultado ao protegido solicitar ao juiz competente o retorno à situação anterior, com a alteração para o nome original, em petição que será encaminhada pelo conselho deliberativo e terá manifestação prévia do Ministério Público.
· Inovou a legislação sob análise no artigo em questão. Inovação esta de grande valia em se tratando de proteção a vítimas e testemunhas.
O caput permitiu, em casos excepcionais, e considerando a gravidade da coação ou ameaça, que o Conselho Deliberativo requeira ao juiz competente para registros públicos, solicitando a alteração do nome completo da pessoa protegida. Observe-se que a lei neste ponto esclarece que o requerimento deverá ser feito ao juiz de registros públicos. Não mencionou aqui o juiz competente para a instrução do processo criminal, como fez em outros pontos da lei.
O §1º determina ainda que a alteração do nome completo poderá estender-se ao cônjuge, companheiro ou companheira, ascendentes, descendentes, dependentes e também filhos menores.
O requerimento deverá ser fundamentado e o juiz ouvirá previamente o Ministério Público, determinando que o procedimento tenha rito sumaríssimo e corra em segredo de justiça. (§2º do artigo em análise).
Concedida a alteração, o juiz determinará na sentença, a averbação no registro original de nascimento da menção de que houve alteração de nome completo, com expressa referência à sentença autorizatória e ao juiz que a exarou e sem a aposição do nome alterado (§3º, inciso I do artigo 9º). Assim, determinou a lei que no registro original conste a alteração de nome, entretanto, não permitiu a lei que ficasse constando o novo nome. O motivo é óbvio e andou muito bem o legislador nesse ponto.
Ainda na sentença o juiz determinará aos órgãos competentes para o fornecimento dos documentos decorrentes da alteração (§3º, inciso II).
Por fim, determinará o juiz a remessa da sentença ao órgão nacional competente para o registro único de identificação civil, observando-se as restrições de sigilo (§3º, inciso III, também do artigo 9º).
O Conselho Deliberativo deverá manter o controle sobre a localização do protegido após a alteração do nome (§4º).
O §5º estabelece uma situação interessante. Cessada a coação ou a ameaça que deu causa à alteração, ficará facultado ao protegido solicitar ao juiz competente o retorno a situação anterior, com a alteração para o nome original. Assim, o protegido poderá voltar a usar o nome verdadeiro se cessados forem os motivos da proteção. Também neste caso será necessária a prévia manifestação do Ministério Público.
Art. 10. A exclusão da pessoa protegida de programa de proteção a vítimas e a testemunhas poderá ocorrer a qualquer tempo:
I - por solicitação do próprio interessado;
II - por decisão do conselho deliberativo, em conseqüência de:
a) cessação dos motivos que ensejaram a proteção;
b) conduta incompatível do protegido.
· Trata o artigo em questão sobre quem poderá solicitar a exclusão da pessoa protegida do programa e também quais os motivos que podem levar à exclusão.
Poderão solicitar a exclusão o próprio interessado e também o conselho deliberativo. O artigo 13 do Decreto nº 3.518/00 que regulamenta a lei em análise, estabelece ainda que também poderá requerer a exclusão o representante legal do protegido. Estabelece ainda que a exclusão poderá ocorrer por decisão da Autoridade Policial responsável pelo serviço de proteção.
Os motivos que podem levar a exclusão são a cessação dos motivos que ensejaram a proteção e também a conduta incompatível do protegido.
O artigo em questão parece transparecer que a simples decisão do conselho ou da autoridade policial responsável pelo serviço de proteção, é suficiente para a exclusão do protegido. Entretanto, não podemos nos desgarrar do disposto no artigo 3º da Lei nº 9.807/99 que determina que "toda admissão no programa ou exclusão dele será precedida de consulta ao Ministério Público sobre o disposto no art. 2º e deverá ser subseqüentemente comunicada à autoridade policial ou ao juiz competente".
Finalmente, estabelece o parágrafo único do artigo 13 do Decreto nº 3518/00, complementando o artigo 10 da lei, que quando da exclusão será lavrado um termo de exclusão em que constará a ciência do excluído e os motivos do ato.
Art. 11. A proteção oferecida pelo programa terá a duração máxima de dois anos.
Parágrafo único. Em circunstâncias excepcionais, perdurando os motivos que autorizam a admissão, a permanência poderá ser prorrogada.
Fixa o prazo máximo de duração da proteção oferecida pelo programa que em circunstâncias excepcionais poderá ser prorrogada, desde que, perdure os motivos que autorizaram a admissão. Não fixa a lei quantas vezes poderá ser prorrogada. Entendemos ser possível a prorrogação quantas vezes for necessária desde que perdure os motivos que autorizaram a admissão.
Art. 12. Fica instituído, no âmbito do órgão do Ministério da Justiça com atribuições para a execução da política de direitos humanos, o Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas, a ser regulamentado por decreto do Poder Executivo.
O artigo instituiu o Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas ameaçadas que acabou regulamentado pelo Decreto nº 3.518 de 20.06.2000, o qual está sendo comentado em conjunto com a lei.
O artigo 1º do Decreto nº 3.518/00 estabelece que o Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas consiste no conjunto de medidas adotadas pela União com o fim de proporcionar proteção e assistência a pessoas ameaçadas ou coagidas em virtude de colaborarem com a investigação ou o processo criminal.

III – Da Proteção aos Réus Colaboradores (Artigos 13 a 15)

Conforme o próprio capítulo estabelece, os artigos seguintes tratarão da proteção aos réus colaboradores.
De início, devemos perguntar sobre o verdadeiro significado da expressão "réus". Devemos entender que somente aqueles já denunciados e com processo crime em trâmite merecem proteção. E os eventualmente "indiciados" em inquéritos policiais? Também farão jus aos benefícios legais?
Levando-se em conta o disposto no artigo 14 que a seguir comentaremos, onde o legislador utilizou as expressões "indiciado ou acusado" que colaborar na investigação e processo criminal, entendemos que apesar da utilização da expressão "réus", no que andou mal o legislador, incluiu aí também os indiciados nos inquéritos policiais.
Art. 13. Poderá o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão judicial e a conseqüente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado:
I - a identificação dos demais co-autores ou partícipes da ação criminosa;
II - a localização da vítima com a sua integridade física preservada;
III - a recuperação total ou parcial do produto do crime.
Parágrafo único. A concessão do perdão judicial levará em conta a personalidade do beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso.
· Trata o artigo da possibilidade do juiz conceder perdão judicial com a extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário, colaborar efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal.
A princípio devemos notar que o artigo estabelece que o juiz poderá. Trata-se de faculdade ou poder-dever? Entendemos que se trata realmente de uma faculdade do juiz uma vez que deverá levar em conta para a concessão o disposto no parágrafo único do mesmo artigo, ou seja, deverá levar em conta para a concessão, a personalidade do beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso. Trata aqui das circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do Código Penal.

Para a concessão do perdão o juiz poderá agir de ofício ou a requerimento das partes. Como requerimento das partes podemos entender o pedido do próprio colaborador ou seu advogado e, ainda, do Ministério Público.
Perdão judicial é o instituto pelo qual o juiz, não obstante comprovada a prática da infração penal pelo sujeito culpado, deixa de aplicar a pena em face de justificadas circunstâncias (Damásio E. de Jesus). É causa extintiva de punibilidade conforme estabelece o artigo 107, IX do Código Penal.
Para a concessão do perdão judicial é necessário que o acusado seja primário (Há duas orientações sobre seu conceito: 1ª) é não só o que foi condenado pela primeira vez, como também o que foi condenado várias vezes, sem ser reincidente. Posição majoritária; 2ª) é o que, na data da sentença ou decisão que aprecia algum benefício, não tem condenação anterior irrecorrível) e tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação ou o processo criminal.
O artigo estabelece ainda que o perdão somente poderá ser concedido se, da colaboração tenha resultado:
a) a identificação dos demais co-autores ou partícipes da ação criminosa;
b) a localização da vítima com a sua integridade física preservada;
c) a recuperação total ou parcial do produto do crime.
Entendemos que tendo ocorrido apenas um dos itens acima, é o suficiente para a concessão do perdão. Os requisitos são alternativos e não cumulativos.
Esse também é o entendimento de Alexandre Demetrius Pereira[4], Promotor de Justiça em São Paulo em artigo publicado na Internet sobre a questão:
"No crime de latrocínio consumado (crime mais severamente apenado do Código Penal Brasileiro) o réu delator diz onde estão os bens roubados que são parcialmente ou até totalmente recuperados, não obstante a vítima violentamente morta. Segundo a literalidade da lei fará jus ao perdão judicial, pois basta que alternativamente se façam presentes uma das condições dos incisos do art. 13 ( I - a identificação dos demais co-autores ou partícipes da ação criminosa; OU II - a localização da vítima com a sua integridade física preservada; OU III - a recuperação total ou parcial do produto do crime." (grifo nosso)
E ainda, no mesmo sentido André Stefam Araújo Lima, também em artigo publicado na Internet:
"Requisitos legais alternativos ou cumulativos: os requisitos do art. 13 são alternativos, de modo que não é preciso sempre permitir a identificação dos demais autores, mais a recuperação do produto do crime e mais a libertação da vítima. Fossem cumulativos os requisitos, somente a extorsão mediante seqüestro o admitiria." (grifo nosso).
Esse não é o entendimento de Bruno Cezar da Luz Pontes: "cabe indagar sobre a cumulatividade ou alternatividade dos incisos do art. 13. Trata-se de cumulatividade, e não de alternatividade. Salvo impossibilidade de efetivação dos três requisitos, como no caso de homicídio onde não se fala em recuperação total ou parcial do produto do crime, necessário sempre que a colaboração do co-autor seja efetiva, voluntária, que ele seja primário e que desta colaboração tenha resultado a identificação dos demais participantes, a localização da vítima com sua integridade física preservada e a recuperação total ou parcial do produto do crime." (grifo nosso)
Art. 14. O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime, na localização da vítima com vida e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um a dois terços.
· O artigo em questão trata praticamente da mesma situação anterior, entretanto, obriga o juiz a, em não concedendo o perdão judicial, ou seja, no caso de condenação, reduzir a pena de um a dois terços, nos casos em que o indiciado ou acusado colaborou voluntariamente com a investigação e o processo criminal sem que ocorra os resultados acima elencados (itens a,b e c). Ou seja, basta a colaboração voluntária sem que dela resulte a efetiva localização da vítima, recuperação do produto do crime ou identificação dos co-autores. Esse também o entendimento de Alexandre Demetrius Pereira e Bruno Cezar da Luz Pontes.
O Decreto Federal nº 3.518/00 que regulamenta a lei em análise, conceitua, no artigo 10, como depoente especial, o réu detido ou preso, aguardando julgamento, indiciado ou acusado sob prisão cautelar em qualquer de suas modalidades, que testemunhe em inquérito ou processo judicial, se dispondo a colaborar efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração possa resultar a identificação de autores, co-autores ou partícipes da ação criminosa, a localização da vítima com sua integridade física preservada ou a recuperação do produto do crime e também a pessoa que, não admitida ou excluída do programa, corra risco pessoal e colabore na produção da prova.
O depoente especial está sujeito ao Serviço de Proteção ao Depoente Especial (artigo 11 do Decreto nº 3.518/00) que consiste na prestação de medidas de proteção assecuratórias da integridade física e psicológica do depoente especial, aplicadas isoladas ou cumulativamente, consoante as especificidades de cada situação, compreendendo, dentre outras: segurança na residência, incluindo o controle de telecomunicações; escolta e segurança ostensiva nos deslocamentos da residência, inclusive para fins de trabalho ou para a prestação de depoimentos; transferência de residência ou acomodação provisória em local compatível com a proteção; sigilo em relação aos atos praticados em virtude da proteção concedida e; medidas especiais de segurança e proteção da integridade física, inclusive dependência separada dos demais presos, na hipótese de o depoente especial encontrar-se sob prisão temporária, preventiva ou decorrente de flagrante delito.
Art. 15. Serão aplicadas em benefício do colaborador, na prisão ou fora dela, medidas especiais de segurança e proteção a sua integridade física, considerando ameaça ou coação eventual ou efetiva.
§ 1º Estando sob prisão temporária, preventiva ou em decorrência de flagrante delito, o colaborador será custodiado em dependência separada dos demais presos.
§ 2º Durante a instrução criminal, poderá o juiz competente determinar em favor do colaborador qualquer das medidas previstas no art. 8º desta Lei.
§ 3º No caso de cumprimento da pena em regime fechado, poderá o juiz criminal determinar medidas especiais que proporcionem a segurança do colaborador em relação aos demais apenados.
Finalmente, estipula o "caput" que o colaborador terá, na prisão ou fora dela, medidas especiais de segurança e proteção a sua integridade física. Difícil é acreditar que isso realmente ocorra face, a falência dos programas de proteção existentes. Isso, em virtude de desinteresse da administração que parece não levar a sério o programa de proteção a vítimas e testemunhas.
O §1º estabelece que se o colaborador estiver sob prisão temporária, preventiva ou flagrante, será custodiado em dependência separada dos demais presos. Para a real garantia do colaborador, devemos entender "dependência separada", local realmente diverso. Não basta a nosso ver, cela separada, tendo em vista as constantes rebeliões e o fácil acesso dos demais presos quando, então, estaria o colaborador sofrendo sério risco. Da mesma forma, se o colaborador estiver cumprindo pena em regime fechado, o juiz também poderá adotar medidas para sua proteção (§ 3º).
Durante a instrução criminal, o juiz poderá determinar qualquer das medidas previstas no artigo 8º da presente lei, ou seja, medidas cautelares direta ou indiretamente relacionadas com a eficácia da proteção(§ 2º).
Pelo que podemos observar nessa análise sobre a legislação de proteção a vítimas e testemunhas no Brasil, chegamos a duas conclusões: a primeira é que a lei apresenta vários aspectos positivos, entretanto, face a falência e desinteresse da administração pública em realizar um programa sério, muito se perde quanto a benefícios na área de segurança pública; a segunda é que a lei apresentou também muitos aspectos negativos (comentados no artigo) que, em parte, contribuem para o insucesso do programa.

Bibliografia e pesquisas:

[1] LIMA, André Estefam Araújo, Lei de proteção a vítimas e testemunhas – Lei n. 9.807/99, in www.damasio.com.br, dez. 2000
[2] PONTES, Bruno Cezar da Luz. Alguns comentários sobre a Lei 9807/99(proteção às testemunhas). In: Jus Navigandi, n. 36. [Internet] http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=1005
[3] JESUS, Damásio E. de, Código Penal Anotado –Saraiva 1989
[4] PEREIRA, Alexandre Demetrius. Lei de proteção: às testemunhas ou aos criminosos?.In:Jus Navigandi, n. 34. [Internet] http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=100

NBR 6023:2002 ABNT

AGUDO, Luís Carlos. Estudos sobre a Lei nº 9.807/99. Proteção a vítimas e testemunhas. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/3498.

Luis Carlos Agudo (Delegado em Itápolis)




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