terça-feira, 10 de maio de 2011

Revisão Para AC - Delação Premiada arts.13 e 14 e suas diferenças

Perdão judicial na delação premiada

Dispõe a Lei n° 9.807/99 que:
Art. 13. Poderá o juiz, de ofício ou a requerimento das partes,conceder o perdão judicial e a conseqüente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado:
I - a identificação dos demais co-autores ou partícipes da ação criminosa;
II - a localização da vítima com a sua integridade física preservada;
III - a recuperação total ou parcial do produto do crime.
Na delação premiada não existe o requisito de um pré-acordo entre os membros do Ministério Público e a defesa do acusado para que, após entendimento positivo do Parquet, haja a decisão do julgador. É válido e bastante importante o parecer ministerial para aplicação do instituto. Contudo, está disciplinado que somente o juiz poderá optar por conceder ou não o perdão judicial. Essa decisão poderá ser de ofício ou a requerimento das partes. Poderá tanto a acusação como a defesa pedir ao juiz o perdão
judicial em troca da colaboração, embora se resuma somente a um requerimento.
Como o dispositivo usa o termo “a requerimento das partes” e tratando-se de instituto relativo à colaboração, é lógico supor que as partes acordem na colaboração
e conseqüente delação. Sugere, a outro giro, formulação de petição conjunta entre o Ministério Publico e o acusado afastando a possibilidade de requerimento de apenas uma das partes. De todo modo, pela interpretação literal da lei, em ultima ratio, trata-se de uma discricionariedade judicial. Todavia, como define a lei, para o julgador conceder o prêmio ao acusado, deve ocorrer o preenchimento de requisitos objetivos e subjetivos.
Deve o acusado ser primário. Primariedade não se confunde com bons antecedentes.
Primário é quem, apesar de estar sendo processado criminalmente, não tem qualquer sentença penal condenatória transitada em julgado contra si num período de 5 anos,
( artigo 64, inciso I, do CP. Tem relação com a reincidência que, ao contrário,somente existe quando transita em julgado a sentença condenatória.) Já a pessoa com bons antecedentes, é aquela que, além de não existir indiciamento ou processo contra ela, tem boa conduta social de responsabilidade, honestidade e moralidade intacta.
Para que o co-autor receba o perdão judicial não é preciso ter bons antecedentes, mas deve ter personalidade adequada além de outros requisitos subjetivos.
A Lei menciona que o acusado deve colaborar voluntariamente. Convém fazer uma diferença entre ato voluntário e ato espontâneo. Ato espontâneo é aquele que alguém pratica sem incitação ou qualquer motivação, isto é, a pessoa, por si, julga conveniente tomar determinada atitude e toma sem que ninguém o incentive. O colaborador por ato voluntário segue seus próprios caprichos sem considerar a vontade de outrem. Isto significa que mesmo que alguém o encoraje, a vontade exercida é somente a dele, não há pressão no seu ato. Não deve haver coação física ou psicológica. Voluntarismo é antônimo de pressão. Se não existe pressão nem coação física ou psicológica para que alguém tome alguma atitude, não será o ato voluntário viciado. A iniciativa do delator é de suma importância no plano prático perante a real possibilidade de constrangimentos para que ocorra uma colaboração eficaz. Se há excessos na extração de uma confissão durante as investigações, poderá ocorrer a ilicitude da prova obtida.
Assim, devem os agentes estatais respeitar o livre arbítrio do investigado em relação a uma eventual delação. Se o legislador tivesse usado a expressão espontaneamente,o acusado somente seria beneficiado se ele mesmo tomasse a atitude de colaborar com a investigação, impedindo a incitação do delegado e do juiz para que o indiciado colaborasse. Na maioria dos casos, o co-réu não sabe dos benefícios que poderá adquirir se colaborar com a justiça. A legislação brasileira não trata do tema uniformemente.
Enquanto a Lei do Crime Organizado (Lei n°9.034/95), a Lei que define crimes contra a ordem tributária (Lei n° 8.137/90) e a Lei de Lavagem de Capitais (Lei n°9.613/98) expressamente exigem a espontaneidade, a Lei de Proteção a Vítimas e Testemunhas (Lei n° 9.807/99) e a Lei Antitóxicos (Lei n° 11.343/06) contentam-se com a voluntariedade do ato. A Lei que dispõe sobre os crimes hediondos (Lei n°8.072/90) e o Código Penal no seu artigo 158, § 4°, não dispõem sobre a exigência de ato voluntário ou espontâneo.
É imprescindível a efetividade da colaboração. De nada adiantará todo o esforço,a voluntariedade do co-autor em ajudar na investigação, se essa colaboração não influenciar na identificação dos demais co-autores ou partícipes, na recuperação total ou parcial do produto do crime e na localização da vítima com a sua integridade. O professor Gomes Filho (1991, p. 40), de modo bastante claro, diz que “[...] uma das decorrências da presunção de inocência no processo penal em relação à matéria probatória refere-se justamente à impossibilidade de obrigar o acusado a colaborar na investigação dos fatos” (grifo nosso). 
Efetividade quer dizer que deve haver relevância nas declarações produzidas pelo acusado. Logo, guarda um nexo de causalidade com os resultados positivos produzidos na investigação criminal. Declarações sobre fatos de pouca importância, ou fatos de valores secundários para a investigação ou processo, que pouco auxiliam na elucidação do crime, não são qualificados para a concessão do benefício.
Pode acontecer de o acusado dar informações às autoridades e não se conseguir nem mesmo um vestígio do produto do crime, da vítima ou dos partícipes da ação criminosa.
Somente quando houver um efetivo merecimento do co-réu delator tal benefício será concedido. Não adianta trazer ao conhecimento da Justiça a identificação de coautores e partícipes cujas práticas criminosas já se tornaram conhecidas. Apenas no caso de revelar novos fatos ou produzir novas provas o benefício seria admitido. Não poderia um criminoso confesso envolvido em criminalidade organizada pretender colaborar sem qualquer eficiência com a investigação e receber em troca o perdão judicial. Como diz o velho ditado popular: Seria dar muito em troco de nada. Deve haver a produção de alguma descoberta da verdade em si.
Diz o parágrafo único do artigo 13 da Lei n° 9.807/99 que: “A concessão do perdão judicial levará em conta a personalidade do beneficiado e a natureza, circunstâncias,gravidade e repercussão social do fato criminoso”. Assim, é possível que mesmo que,se preenchessem todos os requisitos exigidos pela lei e o acusado tivesse praticado crime revestido de crueldades que desaconselham a adoção do instituto ou que sua conduta tenha causado grave comoção social em razão da qualidade da vítima, o
benefício não seria aplicado.
Quanto à repercussão social do crime, é circunstância de caráter duvidoso tendo em vista gerar situações injustas. Por exemplo, pode acontecer de um acusado arrependido,por ter participado de um crime de extorsão mediante sequestro, resolver colaborar com a investigação policial. O delator incorpora a figura de traidor de seus comparsas ao oferecer auxílio na localização da vítima, na identificação de todos os co-autores e ao recuperar todo o dinheiro ilicitamente adquirido pela quadrilha. É plausível que seja vítima de futura vingança. Percebe-se que o colaborador preenche todos os requisitos objetivos para a concessão do perdão judicial na sua colaboração com a Justiça.
Todavia, entendendo o juiz existir repercussão social do crime, com vasta exposição na mídia condenando o ato, o julgador deixa de conceder o prêmio. Se não fosse a delação do colaborador, nada teria sido alcançado pela Justiça. Como se percebe,
esse requisito pode gerar absoluta injustiça. A colaboração, na delação premiada,poderá ocorrer tanto na fase investigativa (pré-processual) bem como no decorrer do processo. Deve haver a identificação dos co-autores ou partícipes, a localização da vítima com a sua integridade física preservada e a recuperação total ou parcial do produto do crime.
Com relação à identificação dos co-autores ou partícipes da ação criminosa, deverá o colaborador, identificar todos os integrantes da ação delituosa. A lei foi clara ao dizer co-autores e partícipes. Usou o plural e não fez ressalvas. Desse modo, conclui-se que, para receber a premiação, deverá haver a identificação de todos os integrantes da organização criminosa. Caso o juiz perceba que o acusado-colaborador tentou de alguma forma acobertar algum outro integrante, a possibilidade de haver o recebimento do benefício é absolutamente remota.
A Lei n° 9.807/99 gera algumas dúvidas quanto à localização da vítima com a sua integridade física preservada. Entende-se que o legislador não visualizou uma vítima sem qualquer lesão. A intenção foi de encontrar uma vítima que não tenha sofrido
maus-tratos em decorrência de tortura, que não tenha sido machucada de forma fria e cruel a ponto de correr risco de morte ou que não tenha sido tratada de forma desumana. No entanto, pode ocorrer da vítima sofrer de alguma forma, como se desnutrir por falta de adequada alimentação ou adquirir escoriações em função do sequestro ou do dia-a-dia no cativeiro. Assim, o perdão judicial não seria devido,mesmo com a colaboração efetiva do acusado na descoberta da vítima, se ela fosse
encontrada com sua integridade física abalada em virtude de maus-tratos. A lei não defende a integridade psicológica da vítima como pressuposto do perdão judicial, já que o estado emocional seria profundamente agredido, e, desse modo, o co-autor teria um forte incentivo à não-colaboração, sabendo que não conseguiria localizar a vítima com sua integridade psicológica preservada.
Tal dispositivo legal também traz dúvidas quanto à recuperação total ou parcial do produto do crime. Isto porque poderá o co-réu se beneficiar de maneira injusta.
Por exemplo, durante as investigações de um crime de roubo a banco, praticado por uma organização criminosa, em que o objeto do crime figura-se em milhões de reais,poderia o acusado, maliciosamente, ajudar as autoridades a recuperar parte desses valores, entregar todos os co-autores e preencher todos os outros requisitos, e, após receber o perdão judicial com a consequente extinção da punibilidade, aproveitar da outra parte do produto do crime. Nesse sentido, é possível visualizar um gravíssimo deslize do legislador. No caso de recuperar o produto do crime na sua totalidade com a colaboração do co-autor, preenchendo todos os requisitos objetivos e subjetivos, será justo o recebimento do benefício.
Não se exige que a identificação dos demais co-autores ou partícipes da ação criminosa,
a localização da vítima com a sua integridade física preservada e a recuperação total
ou parcial do produto do crime sejam cumulativos para o colaborador (primário, tido como efetivo e voluntário) fazer jus ao perdão judicial. A lei é omissa nesse sentido.
Não há previsão de cumulatividade. Não se pode entender como cumulativos os resultados a serem obtidos com a delação para premiá-la, sob pena de se criar, sem reserva legal, uma restrição não contida na lei. É possível visualizar situação em que o colaborador denunciou seus comparsas, efetivo e voluntariamente, no entanto não foi possível recuperar o produto do crime; ou no caso de sequestro em que a colaboração do co-autor foi eficiente para localizar a vítima, mas por outro lado não identificou os demais co-autores e partícipes por algum motivo alheio à sua vontade, tal como o fato de não  ter conhecimento de todos os integrantes da organização criminosa.
Na impossibilidade de efetivação dos três requisitos, como o caso do crime de homicídio
em que não há recuperação total ou parcial do produto do crime, é necessário sempre que a colaboração do co-autor seja efetiva, voluntária, seja ele primário, resultando da colaboração a identificação dos demais participantes da empreitada criminosa, se existirem. O perdão judicial é uma causa extintiva da punibilidade. O Estado renuncia,
por intermédio da declaração do juiz, na própria sentença, à pretensão de imposição das penas. Como exemplo, supõe-se que o sujeito, agindo culposamente, vem a matar o próprio pai (artigo 121, § 3°, do CP).
O perdão judicial deixa de punir aquele que tenha sofrido consequência tão grave decorrente da sua própria conduta, que se pode considerar por aplicada e cumprida a sua pena. Desse modo, percebe-se que o perdão que a lei concede como prêmio pela delação é uma  forma diferenciada de perdão judicial. Enquanto o perdão judicial previsto no Código Penal decorre do sofrimento pessoal experimentado pela prática do fato delituoso, o perdão judicial procedente da delação premiada decorre da colaboração voluntária e efetiva à Justiça. Há uma polêmica quanto à natureza jurídica da sentença que concede o perdão judicial decorrente da delação premiada. Alguns entendem que se trata de condenação, mas sem aplicar a pena, com as consequências naturais de possibilidade da reincidência, custas processuais, lançamento do nome do acusado no rol dos culpados e reparação dos danos, não aplicando a pena privativa de liberdade, pena restritiva de direitos ou multa. O art. 120 do CP diz que conceder o perdão judicial não será considerado para efeitos de reincidência. Nesse sentido,outros entendem que a sentença é absolutória sem qualquer efeito secundário, pois trataria de sentença declaratória da extinção da punibilidade.
O Superior Tribunal de Justiça – STJ defende a inexistência de efeitos secundários.
Prescreve a Súmula 18 que “[...] a sentença concessiva do perdão judicial é declaratória
da extinção da punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório”. De outra Jesus (1993, p. 687) diz que: o “[...] perdão judicial é o instituto pelo qual o juiz, não obstante comprovada a prática da infração penal pelo sujeito culpado, deixa de aplicar a pena em face de justificadas
circunstâncias”.Doutrina recente (PONTES, 2006) expõe que o STF mantém o posicionamento
no sentido de existência dos efeitos secundários da sentença. Acompanhamos o entendimento sumulado pelo STJ. Era plenamente possível ao legislador estipular
perdão judicial, em decorrência da aplicação do instituto da delação premiada, com os efeitos que apresentou na Lei sobre os crimes de lavagem ou ocultação de bens,direitos e valores (Lei n° 9.613/98). Lembra-se que para esta lei, o efeito mais benéfico figura na possibilidade do julgador deixar de aplicar a pena. Fica claro que para o juiz deixar de aplicar a penalidade, deve primeiro condenar o delator. Destarte, todos os efeitos secundários de uma condenação acompanham o premiado. 
Redução da pena na delação premiada

Dispõe o art. 14 da Lei n° 9.807/99 que: “[...] o indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime, na localização da vítima com vida e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de (um) a 2/3 (dois terços)”.
Nesse dispositivo legal não há o requisito da primariedade permitindo, desse modo,que um acusado reincidente receba a premiação. Parece que mesmo que não haja localização da vítima, identificação dos demais co-autores ou partícipes e nem se recupere total ou parcialmente o produto do crime, o indiciado ou o acusado que colaborar voluntariamente com a investigação será beneficiado com a redução de um a dois terços. Em nenhum momento, o legislador exigiu que a colaboração ocorresse com efetividade. Além disso, não há a expressão desde que como está presente no art. 13 para haver o perdão judicial. Pela interpretação literal fica claro que para o recebimento da redução da  pena, basta o acusado se dispor a colaborar. Para o acusado ser agraciado com o perdão judicial não é necessária apenas a colaboração. Para a extinção da punibilidade é preciso que realmente seja efetiva a colaboração e que tenha resultados significativos. Deve, ainda, o co-réu ser merecedor nos moldes dos requisitos
subjetivos. A outro giro, para a redução da pena, é preciso apenas a colaboração voluntária do co-autor, não se levando em consideração requisitos subjetivos. É nesse sentido que podemos afirmar que houve equívocos por parte do legislador.
Marcelo Batlouni Mendroni, Promotor de Justiça em São Paulo, comenta que o artigo 14 da Lei nº 9.807/99, “[...] estabelece a redução da pena, de um a dois terços, ao acusado não primário que colaborar da mesma forma que no artigo 13. Apesar de a Lei utilizar o termo ‘terá a pena reduzida’, trata-se, da mesma forma, de facultatividade do julgador, desde que preenchidos os requisitos. Não haveria sentido a previsão de facultatividade para a concessão de perdão judicial, em caso de primariedade e obrigatoriedade em caso de redução de pena no caso de não ser o acusado primário. Seria premiar o reincidente em detrimento do primário, quando as demais condições legais são equivalentes. Seria entregar o garantido ao reincidente e o incerto ao réu primário. Ademais, em ambos os casos as circunstâncias são claramente vantajosas ao acusado e, como dito, exigem a sua contraprestação a contento, cujo teor deve ser analisado pelo Poder Judiciário”que, além de desproporcional, não fez questão da imposição de requisitos subjetivos como fez para o recebimento do perdão judicial. Foi absolutamente desproporcional,tendo em vista ter reduzido a pena do crime consumado na mesma quantidade de uma mera tentativa (conforme dispõe o art.14, parágrafo único, do Código Penal) ou
mesmo, de arrependimento posterior (art. 16 do Código Penal).
Caso o legislador não produza uma nova lei acrescentando requisitos, haverá co-autor reincidente se beneficiando com tamanha premiação oferecida pelo Estado, sem ter colaborado de forma eficiente, mesmo que a personalidade, as circunstâncias, a natureza, a gravidade e a repercussão do crime sejam desfavoráveis. Poderá ocorrer de as autoridades terem que reconhecer a existência da colaboração mesmo sendo sem efetividade. É possível que haja obstáculos por parte dos policiais no momento em que se virem obrigados a relatar que realmente houve a colaboração. As autoridades judiciárias deverão ter atenção dobrada para evitarem todo tipo de simulações dos coautores em busca do benefício. Poderão surgir situações em que o participante indica local, nomes e indícios falsos, com a intenção predeterminada de alcançar a redução,sem que sua intenção maior seja colaborar efetivamente.
O artigo 14 da Lei n° 9.807/99 dispõe seja a vítima localizada com vida. Isto exclui a possibilidade de proteção da integridade física da vítima. É outra falha do legislador,tendo em vista ter conferido um beneficio de proporções absurdamente vantajosas ao criminoso acusado, sem ter preocupado com o bem-estar da vítima. Como exemplo,pode ser que em um crime de extorsão mediante sequestro, caso o co-réu não receba
o dinheiro requisitado, contrariando seus planos, após ter torturado a vítima, ter dado
tratamento cruel e desumano, tê-la deixado na iminência da morte, maliciosamente,colabora com as autoridades judiciárias e entrega os demais criminosos recebendo beneficio de tamanha consideração. Enfim, o legislador criou uma lei que poderá gerar injustiças.

JURE - Revista do Ministério Público de Minas Gerais

Nenhum comentário:

Postar um comentário