sexta-feira, 27 de maio de 2011

Genocídio- Revisão para AC

Adicion Rwanda
Evolução Conceitual.
O termo Genocídio apareceu pela primeira vez na obra de Rafael Lemkin, em 1944, na sua obra “Axis rule in occupied Europe” (tanto o termo quanto o conceito são definidos em decorrência dos crimes cometidos pelo Estado nazista).
No que diz respeito à etimologia da palavra “genocídio”, diversos autores discordam da expressão híbrida greco-latina e consideram como mais adequada à expressão “genticídio”, que deriva de duas expressões latinas: gens (raça, estirpe, país, povo e família) e de seu genitivo plural gentis ao lado de occidere. Desta forma, indicaria o grupo ou uma pluralidade de pessoas vinculadas por pertencerem à mesma raça, estirpe ou povo, e a ação de matá-los, com o fim de exterminar a coletividade. No Brasil, Nelson Hungria ensina que genocídio vem do latim genus (raça, povo, nação) e excidium (destruição, ruína).
Diversos autores definem o genocídio. O próprio Rafael Lemkin na VIII Conferência Internacional para a Unificação do Direito Penal, realizada em Bruxelas em 1947, o definiu como “um crime especial que consiste em destruir intencionalmente grupos humanos, raciais, religiosos ou nacionais e, como o homicídio singular, pode ser cometido tanto em tempo de paz como de guerra”.
Seguindo as definições dadas pelos diversos autores em nossa doutrina, destaca-se Celso de D. Albuquerque Mello, Nelson Hungria e Carlos Eduardo Adriano Japiassú.
Segundo Celso de D. Albuquerque Mello em sua obra “Curso de Direito Internacional Público”, o genocídio pode ser definido como aquele crime perpetrado com a intenção de destruir grupos étnicos, sociais, religiosos ou nacionais.
Já Hungria o conceitua de forma estrita como homicídios em série, vinculados e especificamente cometidos pelo fim de destruição de grupos nacionais, raciais, religiosos ou políticos.
Para Japiassú o genocídio é um crime que exige sempre o dolo específico, por entender que não basta a intenção de matar, devendo também estar presente o propósito de aniquilar, total ou parcialmente o grupo. Se a ação de matar não for praticada com a intenção de exterminar, existirá o homicídio e não será caracterizado o genocídio.

2.1 O Genocídio e suas espécies

O genocídio é classificado pela forma em que é levado a efeito, pela maneira em que é executado.

2.1.1 Genocídio Físico

Para Pablo A. Ramella em seu livro “Crimes contra a humanidade” ,entende por genocídio físico: matar ou mutilar homens diretamente, ou os submetendo a condições que não lhes permitam sobreviver. Por exemplo:  campos de concentração e escravização de trabalhadores, causas em que se assassinava, sistematicamente, por fome ou enfermidade.

2.1.2 Genocídio Biológico

Ainda para o autor argentino, o genocídio biológico dá-se pelo impedimento da reprodução, mediante esterilização, o aborto compulsivo e outros meios violentos. Também inclui-se o seqüestro de crianças.
2.1.3 Genocídio Cultural
Entendeu-se que genocídio cultural seria todo e qualquer ato cometido com a intenção de destruir a língua, a religião ou a cultura de um grupo nacional, racial, ou religioso. Tal ato poderia consistir na proibição de utilização da língua do grupo ou a destruição de museus.
Esse conceito foi criticado pelos Estados Unidos, Reino Unido e França, os quais afirmaram que a convenção deveria se ater à destruição física do homem e que o “direito à vida cultural” não é inerente a pessoa humana, mas resultante do desenvolvimento social, e por isso, deveria ser protegido por um documento internacional ligado a cultura.

2.1.4 Genocídio Político

No que diz respeito ao genocídio político, a União Soviética e a Polônia se opuseram firmemente à sua inclusão na Convenção para Prevenção e Repressão do Genocídio, afirmando que a Convenção se destinava a proteger aqueles que pertencessem a um grupo independentemente de sua vontade (apenas aqueles grupos a que o homem pertence a “despeito de si mesmo”) e não pretendia atingir os grupos voluntários.

2.2 Genocídio e Crime Político

O art. 7º da Convenção não considera o genocídio um crime político para efeitos de extradição. O genocídio pode ser considerado crime político qualquer que seja a teoria adotada, desde que satisfeitos os pressupostos básicos de qualquer uma delas.

            2.3 Genocídio e Crime contra a Humanidade

Alguns autores inserem o genocídio na tipologia dos crimes contra a humanidade. Genocídio seria, então, uma espécie do gênero “Crimes contra a Humanidade”. Nessa linha de pensamento estão Carlos Canêdo e Carlos Eduardo Adriano Japiassú.
  Os dois conceitos estão muito próximos teoricamente, distinguindo-se apenas no que tange à intenção. Enquanto os crimes contra a humanidade constituem
“todo homicídio ou ato capaz de causar a morte, cometidos em tempos de guerra ou de paz, contra indivíduos ou grupos humanos, em razão de sua raça, de sua nacionalidade, de sua religião ou de suas opiniões” 

o genocídio visa a um grupo específico, consistindo na destruição intencional desse grupo (seja étnico, racial, religioso, etc.), podendo ser cometido em tempos de paz ou de guerra. Desta forma, o genocídio é “composto por vários atos subordinados todos ao dolo específico [intenção] de destruir um grupo humano”.

O Genocídio no Direito Brasileiro


Além da Lei especial, o genocídio é definido em nossa legislação no Código Penal Militar no art. 208 e art. 401 e é considerado crime hediondo por força do parágrafo único do art. 1º da Lei 8.072/90.
A própria Constituição Federal de 1988 traz entre seus princípios fundamentais a dignidade da pessoa humana (art.1º, III), a cidadania (art.10, II) e o pluralismo político (art. 1, V). A seguir, em seu art. 3º, IV, veda qualquer preconceito de origem racial ou relativo a sexo, idade, cor e outras formas de discriminação, e , finalmente, em seu art. 4º, II e IX, menciona a prevalência dos direitos humanos e a cooperação entre os povos como princípios fundamentais do Brasil em suas relações internacionais.
Praticamente todos os autores criticam a Lei n.º 2.889/56, dentre eles destaca-se Heleno Fragoso em sua obra :
                        "Essa Lei, altamente defeituosa, reproduz em seu art. 1º, as cinco hipóteses de ação punível previstas no art. 2º da Convenção. Ao invés de cominar penas determinadas, manda a lei aplicar às diversas figuras do delito, respectivamente, as penas previstas nos arts. 121 § 2º; 129 § 2º; 270; 125 e 148 do Código Penal. Pune também a associação para a prática do delito, com pena gravíssima, assim como a incitação direta e pública, a cometer qualquer dos crimes previstos no art. 1º ”.

Levando em consideração a semelhança dos artigos iniciais da Lei n.º 2.889/56 e da Convenção de 1948, observar-se-á apenas o que acrescente especificidade do Direito Penal Brasileiro, visto que, este trabalho, já analisou os dispositivos da Convenção.
            Todas as modalidades de genocídio previsto no art. 1º da Lei n.º 2.889/56 admitem a tentativa do mesmo, à exceção das alíneas “c” e “d”.
            A princípio, pode-se pensar na admissibilidade da tentativa, parecendo possível submeter intencionalmente um grupo a condições de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física, total ou parcial, porém não se conseguindo por circunstâncias alheias à vontade do agente, depois de iniciados os atos de execução.
Já na análise da alínea d, do Art. 1º, uma vez adotadas as medidas que se destinam a impedir os nascimentos no seio do grupo, o crime estará consumado, não importando a eficácia de tais medidas, pois o que a alínea exige é que as medidas naquele sentido sejam adotadas.
Ainda no que diz respeito à tentativa de genocídio, deve-se fazer algumas observações sobre a possibilidade de se admiti-la na hipótese da alínea b, do Art.1º, visto que existe discussão na doutrina sobre a existência da tentativa na lesão corporal.
As alíneas “c”, “d” e “e” tratam de hipóteses de crimes permanentes, ou seja, crimes em que a consumação, pela natureza do bem jurídico lesado, protrai-se no tempo, sendo o agente detentor de fazer cessar o estado antijurídico realizado por ele.
Já o art. 2º da Lei 2.889/56, trata de crimes cuja consumação seja antecipada. De acordo com esse artigo, o crime se consuma no momento em que mais de três pessoas associam-se para praticar às condutas descritas no art.1º.
Em relação ao art. 3º, que trata da incitação ao crime de genocídio, alerta-se para a utilização de expressões excessivamente abertas: é o caso de “direta e publicamente”, uma vez que o crime se consuma com a mera incitação à prática do genocídio.

3.1 Bem Jurídico Tutelado

Em relação ao bem jurídico tutelado no crime de genocídio, Fragoso ensina que as ações que configuram o crime, em primeira linha, não se dirigem contra a vida do indivíduo, mas sim contra grupos de pessoas, em sua totalidade.

3.2 Sujeito Ativo


            Para Fragoso qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do crime de genocídio, mas em regra, serão os chefes políticos e militares do Estado. Em tese, pode esse crime ser praticado por uma só pessoa, embora via de regra, o genocídio tenha de envolver uma pluralidade de agentes.
Sobre o assunto, Japiassú, em sua obra, ensina que pode ser autor do crime qualquer pessoa, pois trata-se de crime comum, não sendo admitida à responsabilidade da pessoa jurídica.
            A Convenção de 1948 excluiu a possibilidade de se responsabilizar penalmente as pessoas jurídicas (art. 4º e 6º), posição seguida pela nossa legislação.

 

3.3 Sujeito Passivo


Ensina Fragoso que sujeito passivo é qualquer pessoa que integre determinado grupo nacional, étnico, racial ou religioso e que seja atingida como tal. Para ele, embora a definição do crime se refira a “membros de um grupo”, ainda assim o crime pode se configurar, mesmo que exista apenas uma vítima (desde que a mesma seja atingida em caráter impessoal, como membro de grupo nacional, étnico, racial ou religioso).
Canêdo interpreta o dispositivo legal “matar membros do grupo” de forma literal, considerando que a lei utiliza-se do plural. Assim, o crime não é admitido em sua forma consumada quando ocorre a morte de apenas uma vítima, ensinando que ao se tratar do crime de genocídio, o sujeito passivo será, no Direito brasileiro, sempre plural.

3.4 Concurso de Pessoas: Autoria, Co-autoria e Participação.

Canêdo ensina que dificilmente poderá o crime de genocídio ser praticado por apenas um indivíduo, devido o grau de complexidade de se executar o crime, exigindo assim, quase sempre, a concorrência de diversos agentes.

3.5 Omissão


Segundo Canêdo, não existe nenhum fator que impeça  falar de genocídio cuja forma de realização seja omissiva, uma vez que a quase totalidade dos crimes de resultado admite a prática omissiva. Segundo Fragoso, “em princípio, todos os crimes comissivos podem ser praticados por omissão”.

3.6 Sistemas de Penas


Mais uma vez, sobre esse tema, diversos autores criticam a sistemática da Lei n.º 2.889/56, entre eles destaca-se Canêdo em sua obra “O genocídio como crime internacional”:

         “A Lei n. 2.889/56 apresenta, com relação às penas, uma sistemática caótica e quase ininteligível, remetendo a outras constantes do Código Penal, a outros crimes ou, então, um artigo da Lei n.2889 faz referência a uma pena fixada em um outro artigo dela mesma.”

3.7 Obediência Hierárquica

No tema genocídio, essa é a questão das mais polêmicas e controversas. Como bem demonstra a experiência histórica, trata-se de crime levado a efeito, na maioria das vezes, mediante grandes operações complexas, com a participação de diversos escalões burocráticos e hierárquicos, nos quais muitos envolvidos ocupam funções definidas e limitadas.
Canêdo entende que o verdadeiro fundamento da exculpação é a inexibilidade de outra conduta, devendo-se, assim, ressaltar o erro incidente sobre os pressupostos da obediência hierárquica devendo este ser tratado de acordo com as regras do art. 22 do Código Penal.


3.8 Prescrição

A decisão acerca da imprescritibilidade ou não de um delito encontra-se à soberania exclusiva de cada Estado, que no exercício e pelos seus poderes competentes, determina qual a melhor política criminal a ser adotada.
            Assim, não há como recusar a prescrição do crime de genocídio, que se opera em vinte anos.

3.9 O Genocídio como Crime Hediondo

O art. 1º da Lei n. 8.072/1990, que trata dos Crimes Hediondos, após elencar os crimes considerados como tais, acrescenta em seu parágrafo único: “Considera-se também hediondo o crime de genocídio previsto nos arts. 1º, 2º e 3º da Lei n.2.889, de 1º de outubro de 1956, tentado ou consumado.”

3.10Lei Penal no Espaço e o Genocídio

Em regra, a lei penal se aplica no território onde se exerce a soberania do Estado, independentemente da nacionalidade do agente ou da vítima e do bem jurídico atingido. Adota-se assim, o princípio da territorialidade, hoje dominante, com algumas ressalvas em nossa legislação.
Uma dessas ressalvas diz respeito exatamente ao crime de genocídio, tratando do critério da extraterritorialidade incondicionada, no art. 7º, I, alínea d do CP.



Jansen Alvim Chiganer

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