A proteção jurídica do sossego no condomínio edilício
Elaborado em 05/2008.
No presente estudo faremos uma análise da proteção jurídica do sossego da população quando ameaçado pelo mau uso da propriedade.
Sumário: 1 – Introdução; 2 – O Livro de registros; 3 – Os efeitos da poluição sonora; 4 – O condomínio edilício; 5 – Competência; 6 – A função social da propriedade; 7 – O condômino anti-social; 7.1 – Festas; 7.2 – Animais; 7.3 – Reformas; 7.4 – Bares e casas noturnas; 7.5 – Cultos; 7.6 – Áreas de lazer; 7.7 – Condômino nocivo e sua exclusão; 8 – Excesso de sensibilidade; 9 – A legislação reguladora; 10 – As sanções no direito estrangeiro; 11 – Conclusão.
"Por falta de sossego, a nossa civilização vai dar a uma nova barbárie." (Friedrich Nietzsche, in 'Humano, Demasiado Humano').
1 – INTRODUÇÃO:
A palavra sociedade tem sua origem derivada do latim societas, uma "associação amistosa com outros", e societas deriva de socius, que significa companheiro. Estaria, assim, implícito no significado de sociedade que seus membros compartilham interesse ou preocupação mútuas sobre um objetivo comum.
Entretanto, a história nos mostra que os interesses e preocupações giram muito mais em torno de interesses privados que de interesses coletivos. E, quando esses interesses particulares desrespeitam os interesses da coletividade os conflitos são inevitáveis.
Quem nunca teve reclamações a fazer de algum vizinho? Falta de zelo com o prédio, falta de educação, festas, animais de estimação, são vários os motivos. A vida em sociedade impõe uma grande interatividade entre os indivíduos, o que gera um número infindável de conflitos. Afinal, respeitar os direitos do próximo nunca foi uma característica muito apreciada pelos homens.
No presente estudo faremos uma análise da proteção jurídica do sossego da população quando ameaçado pelo mau uso da propriedade.
O livro de registro de ocorrências é um instrumento de grande importância a serviço dos condôminos incomodados pelos ruídos. Trata-se do espaço destinado em livro próprio, ou em livro do condomínio, para que se registrem as reclamações por escrito dos fatos reclamados. Assim, torna-se possível a aplicação posterior de multa ou outra sanção aos condôminos anti-sociais.
O CONDOMÍNIO EDILÍCIO:
O condomínio edilício apareceu primeiramente na Roma antiga, como ensina o Professor João Batista Lopes: "(...) alguns autores, apoiando-se em texto de Dionísio, admitem a possibilidade de os plebeus terem construído casas em comum, dividindo-as por andares"4. O festejado Caio Mário da Silva Pereira também discorre acerca do tema, ensinando que "não era, todavia, desconhecida em Roma a superposição habitacional: ao contrário, conhecida e praticada. Não era indiferente ao direito: ao revés, observada e disciplinada"5. Entretanto, a maioria dos autores parece acreditar que o condomínio edilício, como regulamentado atualmente, teve sua origem na França, no século XVIII.
O citado Caio Mário aduz que o acontecimento que precipitou o surgimento dos condomínios edilícios aconteceu "(...) em Rennes, em 1720, quando um grande incêndio destruiu parte da cidade e compelidos os habitantes a construírem casas de mais categoria, submetidas à planificação preordenada, adotaram com espontaneidade a elevação de edifícios de três e quatro andares, usados com autonomia"6.
A matéria era regulada pela Lei 4591/64, mas passou a ter sua disciplina estabelecida nos artigos 1331 a 1358 do Código Civil. O Professor Nelson Rosenvald ensina que:
"o condomínio edilício é um direito real que advém da combinação de outros dois direitos reais: a propriedade individual sobre as unidades autônomas (salas, lojas, apartamentos) e a co-propriedade sobre as partes comuns (terreno, telhado, corredores, fachada). Isto é, há uma verdadeira fusão entre propriedade particular e a propriedade comum, sendo impossível separar juridicamente esse complexo incindível".
Esclarecedora ainda a definição de Carlos Roberto Gonçalves, que ensina que:
"caracteriza-se o condomínio edilício pela apresentação de uma propriedade comum ao lado de uma propriedade privativa. Cada condômino é titular, com exclusividade, da unidade autônoma (apartamento, escritório, sala, loja, sobreloja, garagem) e titular de partes ideais das áreas comuns (terreno, estrutura do prédio, telhado, rede geral de distribuição de água, esgoto, gás e eletricidade, calefação e refrigeração centrais, corredores de acesso às unidades autônomas e ao logradouro público".
Nota-se, assim, uma grande interação entre as propriedades particulares, demonstrando a necessidade de que os vizinhos não abusem de seu direito sobre suas partes individuais em nome da coletividade do condomínio.
COMPETÊNCIA:
A competência para regulamentar e fiscalizar a poluição sonora, nos termos do artigo 30, I e II da Constituição Federal, é atribuição dos municípios. Assim dispõe o referido artigo:
"Art. 30. Compete aos Municípios:I - legislar sobre assuntos de interesse local;II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber".
Assim, cabe aos municípios respeitar e cumprir as normas gerais emanadas pela União e pelo Estado, regulamentando os assuntos de interesse específico. Esse o entendimento defendido pela doutrina. Para Paulo Affonso Leme Machado, "deve o Município pesquisar a existência de normas federais e estaduais sobre poluição sonora, e, se existirem, exigir o cumprimento das mesmas. Pode o Município não só suplementar essas normas, com outras regras mais restritivas, como, no interesse local, inovar no campo normativo da poluição acústica".
Também discorrendo acerca do tema, Édis Milaré ensina que "importa ter em mente, ademais, que o controle de ruídos nocivos à saúde pública e ao conforto público, dado o seu caráter quase estritamente local, está mais afeto ao Poder Público municipal. Há casos específicos em que se requer a competência estadual; porém, a partir da legislação federal e da estadual, os Municípios podem, e devem, assumir sua parte no controle de ruídos".
A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE:
O direito de propriedade há muito não é um direito absoluto, devendo se submeter primordialmente ao interesse coletivo, como impõe a Constituição Federal, em seu artigo 5º, XXIII. Rocha (1992, p.71), citado por Oliveira e Theodoro11, discorre sobre o tema, afirmando que "a propriedade não pode atender tão-só ao interesse do indivíduo, egoisticamente considerado, mas também ao interesse comum, da coletividade da qual o titular do domínio faz parte integrante".
Nessa linha, o Ministro Celso de Mello, na ADI 2213, esclarece que "o direito de propriedade não se reveste de caráter absoluto, eis que, sobre ele, pesa grave hipoteca social, a significar que, descumprida a função social que lhe é inerente (CF, art. 5º, XXIII), legitimar-se-á a intervenção estatal na esfera dominial privada, observados, contudo, para esse efeito, os limites, as formas e os procedimentos fixados na própria Constituição da República".
Esses conceitos se aplicam plenamente ao condomínio edilício e às suas unidades autônomas, sendo que o fato de ser proprietário de um apartamento não permite o seu uso ou fruição à margem da lei ou em prejuízo da coletividade.
Assim, a função social da propriedade pode ser conceituada como o limite constitucional ao direito de propriedade imposto em benefício da coletividade.
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